Está ali, num outdoor, próximo ao trevo do parque de exposições. O rapazinho postou, em letras garrafais e enormes, um recado para a namorada que, depreende-se, deve tê-lo abandonado. Queixa-se que fez tudo por ela e que não aguenta mais o abandono. Mensagens assim, em tempos atrás, escreviam-se nos diários, nos cadernos de escola. Enviavam-se , sorrateiramente, por amigos comuns. Confidenciavam-se, em pé de ouvido, para colegas íntimos e fiéis. Sinais destes novos tempos, de internet, de redes sociais, de WhatsApp e smartphones. Pedem-se namoradas em casamento, publicamente, no palco de grandes shows ou de drive-ins. Suicídios são perpetrados, de preferência, como um show pirotécnico, para o gáudio de uma grande plateia. Até os defuntos perderam o seu recato: são fotografados em selfies, em velório, como se participassem de um grande acontecimento. Os muros da intimidade, por sua vez, foram implodidos. Namorados trocam nudes pelo celular e, tantas e tantas vezes, após o término do enlevo, compartilham as imagens com incontáveis outros expectadores, vezes inflamando orgulho de pegador, vezes como simples e reles vingança. Famosos fazem vazar, intencionalmente, fotos sensuais e de banheiro, demonstrando uma revolta mal explicada, com o simples intuito de se manterem na mídia e na visibilidade.
Vivemos numa época de espetacularização. As pessoas vivem uma eterna ciclotimia entre a vida real e a realidade virtual. Criaturas sentem-se avaliadas e medidas pelo número de seguidores e curtidas no cyberspace. A felicidade depende imediatamente disso. Importam as viagens, os shows, os megaeventos de que participaram. Neste mundo etéreo e idílico todos estão felizes e realizados, não existe espaço para tristeza. Mesmo quando ela aparece, pela perda de um ente querido, a postagem carrega um pouco de luto, sim, mas muito mais de comiseração, da expectativa noticiosa e do potencial de comoção.
O grande problema é que este outro planeta colorido, idílico e visionário parece um castelo de cartas e tem suas mesmas fragilidade e impermanência. Basta um comentário desabonador, um like negado para suas paredes ruírem como por encanto. E, num átimo, a carruagem e os cocheiros desaparecem e a Cinderela vê-se, novamente, com as roupas da Gata Borralheira.
Tínhamos, em gerações anteriores, uma vida íntima profunda e forte e cultivávamos, do outro lado, uma outra de aparências, onde as quinquilharias do consumo determinavam o feio e o belo, o glamoroso e o brega, o bonito e o feio. Os nossos filhos e netos convivem, agora, com esses dois universos e mais um outro paralelo, espalhado pelos quatro cantos do mundo. Este não tem limites geográficos, históricos, culturais. O mesmo encanto que faz com que se conectem, com um clique apenas, com uma outra pessoa do Afeganistão, o faz ser simplesmente eliminados e desaparecerem, como um toque de mágico, com um reles movimento na tecla do celular.
A vida, certamente, não era tão glamorosa e aventuresca no passado, mas certamente tínhamos menos territórios para cuidar e para nos preocupar. A essência de tudo, no entanto, existe na nossa existência interior , com seus anjos e demônios a serem domados; seus colibris e seus dragões. Os outros planetas paralelos são meros penduricalhos, volúveis e frágeis castelos de areia que se dissolvem com as primeiras ondas da preamar. Torço para que a namorada do rapaz do outdoor ouça seus apelos, mas sei perfeitamente da inutilidade das palavras, nesses momentos, mesmo expostas em letras garrafais em painéis gigantescos. Um olhar, um toque, até mesmo o silêncio (expressão gestual do âmago do espírito) teriam muito mais força de reaproximar corações espatifados ou de ensiná-los a procurar outros consertos e colas pela longa estrada que segue adiante. O rapazinho usou o virtualês, a língua do novo planeta, para tentar se comunicar com o outro país onde o idioma que faz com que os seres se comuniquem não se expressa em gestos ou fonemas, apenas se sente.
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri