“A solidão é agora tão difundida que se tornou,
paradoxalmente , uma experiência compartilhada.”
Alvin Toffler
Estes tempos em que vivemos, são tempos de cercas, muros e grades. É como se, de repente, vivêssemos um contra-refluxo da onda de globalização dos anos 80. O isolamento é a pauta do momento na política mundial. Países constroem muros para isolá-los dos seus vizinhos, barreiras diplomáticas são erguidas contra a onda imigratória, fronteiras obliteram-se com medo do terrorismo de viés religioso. Soma-se a tudo isso um tsunami de extrema direita que toma de assalto países historicamente liberais, fundando-se, novamente, as colunas do neonazismo, da segregação racial, da perseguição religiosa, do darwinismo social. A todo esse movimento segregatório , de isolamento, precedeu-o um insidioso e permanente ato de retraimento das pessoas. Hoje, a solidão é a pauta do momento nas relações humanas. O Canadá, em 2016, passou a ter a maior parte da sua população morando sozinha. A Dinamarca, a Finlândia, a Alemanha e a Noruega têm quase metade da sua população com um só inquilino por residência. Calcula-se que 15% da população de todo planeta já viva com apenas um morador por casa, percentagem do Brasil nos dias de hoje. Quase a metade dos apartamentos construídos em São Paulo, no ano passado, tem apenas 45 m², espaço quase que insuficiente para uma só pessoa habitar. E a previsão para 2030 parece alarmante: 75% dos franceses, 60% dos ingleses e 71% dos neozelandeses viverão sozinhos em suas moradas.
Foi-se do tempo em que casar e ter filhos parecia ser o desejo da maior parte da população e quase que um sinônimo de felicidade. Grande parte das pessoas se exime de enfrentar os relacionamentos mais íntimos e duradouros, vezes por questões contábeis, vezes pelo dispêndio necessário de paciência e tolerância, preferem a efemeridade das relações, a cômoda manutenção das individualidades, o amor tipo delivery, o sexo asséptico dos WhatsApp e das Redes Sociais. A maternidade já não se posta como uma necessidade básica dos casais. Colocados nas planilhas dos computadores, filhos geram despesas imensas, aborrecimentos inimagináveis, não passam nos cálculos imediatistas do custo-benefício. Parece bem mais barato e simples outros criatórios como de cães, gatos e demais animais de estimação. Trocou-se a maternidade pelo Pet-Shops.
Há, claro, a irmã siamesa dessa atitude, que vem junto com o pacote comprado : a Solidão. As pessoas sentem-se cada vez mais sozinhas no mundo e já existe todo um mercado direcionado aos solitários de plantão. Conselheiros online, 24 horas disponíveis para conversas, cobrando preços razoáveis por hora: os personal friends. Além do aluguel de um amigo, para as urgências; o sexo pela internet e, no Japão, já existem os chamados Cuddle Cafés, onde é possível pagar para dormir de conchinha com alguém, comprar troca de olhares e até abraços. Por incrível que possa parecer, a tecnologia , que nos faz virtualmente tão próximos, nos une , em tempo real com pessoas de todo o mundo, num só toque do smartphone, por vídeos, por áudios, por fotos; consegue, contraditoriamente, nos afastar fisicamente. Sem o toque, o olho no olho, o beijo, as relações se tornaram também virtuais, distantes e facilmente deletáveis e resetáveis.
Sem o exercício diário da tolerância por muitos, como mediar de forma humana nas relações mais cotidianas? Apregoa-se o extermínio de índios, de homossexuais, de migrantes, de pobres, sem nenhum pejo! Não são dá nossa raça, não os conhecemos! Vivemos tempos de franco individualismo. Cada um por si e deus (em quem já não se acredita) por ninguém. O isolamento das nações é apenas um extensão da insulação de cada um de nós. Já não nos interessa o outro: nosso único amigo é o refletido no espelho do nosso apartamento de 45m². Quando a solidão bater à porta, compraremos um sorriso na bodega da frente ou abraçaremos um manequim da loja do shopping. Construímos nossas cercas, nosso muros, nossas grades pontiagudas, totalmente indevassáveis. Por eles nada passará, como disse o poeta Carl Sandburg, exceto a Morte, a Chuva, a Solidão e o dia de amanhã.
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri