“Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que nossos olhos
nos podem dar
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver”
Alberto Caeiro
Quem mora na metrópole tem sempre a percepção que a grandeza dos espaços, o formigueiro de gente, a velocidade acentuada dos passos e dos veículos, a suntuosidade dos edifícios tudo isso se reflete, imediatamente, numa melhor visão do universo e numa plenitude maior das almas. Como se o tamanho da cidade fosse diretamente proporcional à importância dos seus habitantes. Cidades grandes, pessoas grandes; pequenas vilas, viventes menores. Nem percebemos que, no fundo, tudo é uma mera questão de foco. A grandiosidade da urbe nos abre uma grande angular para a percepção do mundo, mas perdemos o zoom para o mínimo e para o detalhe. Passa-se a contemplar o cosmos com um certo distanciamento, as pessoas (embora tantas e multiplicadas) estão sempre longe, cada qual no seu quadrado. Em meio à multidão sentimo-nos sós e solitários, nosso ciclo de amizades restringe-se aos colegas de trabalho e à família. O vizinho separado de mim por apenas uma parede e que mora contíguo é um inteiro desconhecido. Como no princípio da incerteza de Heisenberg, é impossível para qualquer um de nós ter a visão macro ou micro do Cosmos, é sempre uma questão de escolha. Os habitantes das metrópoles imaginam os interioranos como caipiras, ingênuos e atrasados. Os interioranos veem os da capital como doidos correndo atrás de um objeto inatingível, uns bestas em carreira disparada em procura do abismo. São uns cegos sem guia, impossibilitados de ver, ofuscados pela imensidão das cidades onde habitam, como diz o nosso Alberto Caeiro.
Na última semana estive em Mangabeira, um pequeno distrito de Lavras, conhecido carinhosamente por São José de Mãe Velha. A vilazinha, um dos epicentros da gigantesca Cultura carirense, encontra-se encravada num lugar mágico, a 20 kilometros de Várzea Alegre, de Cedro e de Lavras da Mangabeira. Naquelas cercanias, não por acaso, vieram ao mundo artistas fabulosos: o cantador Geraldo Amâncio, o escritor Padre Antonio Vieira, o músico Nonato Luiz, o grande artista plástico Bruno Pedrosa (hoje radicado na Itália), o cantor Gilberto Milfont, o repentista Zé Gonçalves, os poetas Zé Clementino e Sávio Pinheiro, o grande intelectual João Gonçalves, os escritores João Clímaco, Linhares Filho e Batista de Lima, os três últimos membros da Academia Cearense de Letras, apenas para citar alguns dos luminares. A pequena Mangabeira promoveu a primeira Feira Literária do Cariri, a FLIMAN (Feira Literária de Mangabeira) , acontecida nos dias 15 e 16 deste mês de julho, com incontáveis lançamentos de livros, shows musicais, saraus literários. O evento foi organizado pelos escritores Batista de Lima, Pedro Luiz e Fátima Lemos e contou com a presença de várias Academias Literárias do entorno: Instituto Cultural do Cariri, Academia Lavrense de Letras, Academia Varzealegrense de Letras, Academia Cedrense de Letras. Num documento lido na abertura do Encontro foram citados, pasmem vocês, mais de quarenta escritores de Mangabeira, uma vilazinha de menos de cinco mil habitantes. Um destes intelectuais, radicado integralmente à sua terra, Dias da Silva, tem trinta e seis livros publicados. Mangabeira é um claro exemplo da pujança cultural do Cariri. Convidado, tentei escarafunchar as origens dessa fortaleza, numa palestra despretensiosa na abertura da FLIMAN.
Voltei renovado de Mangabeira, na certeza de que, de cima do outeiro, como disse nosso Pessoa, a visão é mais ampla e a vida é maior. E, antes de tudo, que a terra e o homem, nas pequeninas vilas, são parte indissociável de uma mesma entidade. A força gravitacional é tão forte que, pelas circunstâncias e necessidades, muitos precisam migrar para as grandes cidades, mas nunca perdem a possibilidade de esmiuçar os detalhes e, principalmente, jamais perdem a sensação de pertencimento. Os corpos migram, mas as almas permanecem indefinidamente presas ao pequenino torrão natal.
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC)
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri