A vida pública brasileira nunca foi samaritana, muito menos caridosa. É certo que gestou grandes figuras históricas, abnegadas e de grande envergadura moral. Mas essa não é a regra. Estão amontoados nos escombros da vergonha nacional, vários episódios de puro descalabro, de tal forma que faltam sinônimos e adjetivos.
Mas essa não é uma história desalinhada da barra de menu daquilo que se convencionou chamar de “a sociedade brasileira”, somos nós por inteiro, por inclusão ou por exclusão, nada do que foi deixará de ser em um futuro imediato, sem o alheiamento de nós mesmos. A qualquer momento, de forma sorrateira ou não, um novo escândalo, coveiro da dignidade, pode vir à tona, ultrapassando velhos limites da indecência.
O materialismo histórico brasileiro configurou uma tela printada e constante, cativa da iniquidade, em que a retidão de caráter foi metamorfoseada em Sísifo, filho de Éolo e Enarete, hábil com as palavras, capaz de enganar a morte com seu ilusionismo de inocente. A condenação ao trabalho inútil da retidão de caráter do povo brasileiro não veio de Kafka e nem da mitologia, veio dos segredos da sociedade brasileira.
De certa forma inadiável, grande parte da população brasileira, deformada por adiamentos morais, é muito bem representada por Nikolas Ferreira; por João Henrique Catan; por Sandro Fantinel; por Bolsonaro; por Bento Albuquerque e por Augusto Nardes, bem como pelo puritanismo pentecostal de Michelle Bolsonaro. Citando apenas, e somente apenas, os baluartes mais recentes da seboseira pública.
Sandro Fantinel, cabo eleitoral das organizações Bolsonaro, vereador de Caxias do Sul, um “quadro” político do Podemos, defendeu o trabalho escravo nas vinícolas da Salto, Aurora e Garibaldi, e onde mais o trabalho escravo for denunciado, no passado, no presente e no futuro. Continua solto. João Henrique Catan, deputado estadual do PL, defendeu o nazismo com livro de Hitler em punho e na Câmara do Mato Grosso do Sul. Continua solto.
Nikolas Ferreira, deputado federal do PL, vomitou cinismo, ódio, preconceito, racismo, homofobia, misoginia e desapropriações diversas da inteligência e dignidade, usando a tribuna federal, humilhando um país inteiro com sua quebra de decoro. Continua solto. O almirante Bento Albuquerque, ex-ministro de Minas e Energia de Bolsonaro, aparece em vídeo confessando o crime dos diamantes, enquanto assedia funcionários da receita. Continua solto.
Tudo em questão de poucos dias. Michelle e Bolsonaro formam o olho do furacão. São vedetes da patifaria. Continuarão soltos. Já Augusto Nardes é o ministro do TCU, escolhido por sorteio, será o relator do episódio. Ele é aquele que divulgou o áudio para amigos do agronegócio, acalmando todos, afirmando que teria golpe. E assim, Sísifo desce outra vez a montanha, em busca de sua pedra, com inscrições rupestres: feita no Brasil.
Por Marcos Leonel – Escritor e cidadão do mundo
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