Francisco José Silva Dias, nome de batismo, o terceiro de nove filhos do casal Francisco Pereira e Francisca Silva. Não se trata de ninguém famoso, artístico, político, histórico. Pelo menos não para a grande maioria das pessoas, mas para nós, da família Dias, trata-se de um ser humano fantástico.
Devo meu codinome a ele, na nossa família todos o chamavam de Deca, e quando do meu nascimento, mamãe falou que ele pôs o meu apelido, acho que para que houvesse mais alguém fora ele, sendo tratado por um apelido. “esse cabinha vai se chamar Difá” e aqui estou, Francinaldo Silva Dias, mas afetivamente chamado “Difá” em todos os recantos por onde ando. Mas essa crônica não é sobre mim, é sobre ele, que essa semana, dia 22, fez aniversário. E como sou contador de história, deixo registrada aqui, um pouco da dele.
Quando criança era franzino, vovô Antonio Cândido o tratava como “Calanguim”, arteiro, rosto magro que lembrava as crianças mexicanas, lembra do ratinho ligeirinho da TV? Lembra o filme “La Bamba” e seu protagonista? Eu achava esses personagens muito parecidos com ele.
Na adolescência começou a trabalhar, e muito cedo foi estudar à noite, foi vendedor de pão doce, de picolés. Trabalhou durante algum tempo na marcante Mercearia Aplausos, onde o lascado tem vez. Tentou ser vendedor de livros. Mas trabalhou mesmo foi na roça, liderando os outros três irmãos imediatamente mais novos.
Foi naquele espaço tempo das roças que papai punha, que Deca se tornou meu ídolo. Suas falas e assuntos tinham um encanto diferente, falava de mulheres com uma discrição cavalheira. Falava sobre rock n’ roll e cantava trechos de músicas que eu nunca tinha ouvido no rádio. Flamenguista, falava de futebol como um analista. Em campo, jogando no famoso racha dos “caba grande” mostrava uma habilidade e domínio da bola que compensava a lentidão e a não força, um clássico. Quando de bom humor, quase sempre, fazia piada fechada, as quais só nós entendíamos, o que nos fazia sentir-se sabidos. Eram piadas sutis. Quando de mal humor, quase nunca, reclamava das dificuldades da vida, da falta de emprego da época.
Quando Deca foi embora para São Paulo no início dos anos noventa, deixou um vazio na minha formação de pré-adolescente. Foi ele quem me ensinou a pescar, a caçar e a jogar futebol, e embora César, o mais velho tenha me levado a primeira vez a um estádio, foi Deca quem despertou em mim a vontade de jogar no Vasco do Alto da Penha, naqueles anos finais da década de oitenta, quase sempre foi ele que me levou para ver os jogos. Era ele quem me repreendia quando eu errava, com “pesqueiros”, às vezes, com palavras duras, noutras, com conselhos, sempre.
Quando nego Nena começou a chamá-lo de Mestre Deca, embora parecesse coisa de velho, achei muito adequado. Deca tinha, acho que ainda tem, o hábito de chamar os mais velhos de mestre; mestre Chiquim, vizinho de roça; mestre João Baião, mestre João rainha, e por aí ia. Acabou ele por se tornar mestre.
Anos após sua ida a São Paulo, quando de uma das vezes em que ele veio a nos visitar, conversamos muito, e suas palavras ainda ecoam em minha mente: “a gente, César, eu, Carlos e Cícero fomos embora para que vocês mais novos não precisassem ir, aqui é bom e as coisas mudaram muito, estamos orgulhosos.” Foi tomando uma cerveja, no antigo Cinelândia, Calçadão do Crato, na ocasião falávamos de Isaac Asimov, leituras dele, falei do conceito de anti-herói e de outras coisas de Literatura. Já estava formado e lia muito, lia como se pesquisasse, lia como se quisesse mostrar a eles que aquele sacrifício deles valeu a pena.
Hoje aos cinquenta e cinco anos, casado com dona Aparecida Italo, pai de Daniela e Vitória, Deca Dias é um homem de família, como sempre foi, o avô de Joaquim e Theo, que encontrou nos netos a representação fidedigna de seu coração, herança do melhor que papai nos deixou. Eu nem sei se os leitores vão gostar dessa crônica, eu só queria abraçar um dos heróis de minha vida. Feliz vida, Mestre Deca Dias!
Por Francinaldo Dias. Professor, cronista, flamenguista, contador de “causos” e poeta
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri










