Diógenes de Sínope, o cínico, andava em miséria absoluta pelas ruas de Atenas, com uma lanterna acesa em pleno dia, procurando um homem honesto. O discípulo de Antístenes nasceu e morreu bem antes de Cristo, muito e muito tempo antes da bíblia se tornar objeto de campanha eleitoral, bem antes de a falácia pregar a mentira e praticar o fascismo em nome de Deus, dos valores da família cristã e dos bons princípios morais.
Milhares de anos depois, se aqui ele chegasse, ele seria preso e torturado, e seria acusado de subversão e apontado como elemento infiltrado do comunismo. Só depois, bem depois, ele teria seu próprio seriado na netflix, que contaria a horrenda história de sua mente ter sido possuída pelo demônio Ustra, da linhagem clandestina de Azazel, e de como ele sofreu para sair das condenações fraudulentas do juizeco Moro, que não muito depois se tornou ministro da Justiça, e não muito depois, humilhado e desprestigiado, com diploma de encanador na mão, foi promovido a protetor oficial de um imenso laranjal.
Parece enredo de ficção, com exibição garantida pela pirataria da milícia, muito muito distante da realidade. Só que não. Existe um embrulho tipo esse, aqui, na mais nova república cítrica, depois do engenhoso Bispo Edir Macêdo, da linhagem eletrônica de Asmodeus, operar o milagre de transformar bananas em laranjas. Para depois, o grão-vizir Trump, da linhagem nazista de Lúcifer, não o da série, batizar isso de Republic of Oranges. Com a mão na bíblia e os dois pés na lama, o assustador Bolsonaro, da linhagem totalitária de Belzebu, prometeu livrar essa província da corrupção, com mais corrupção ainda, sem ideologia de gênero, com discurso do ódio, com decretos e medidas provisórias, e algumas fraquejadas célebres.
O que tem sobrado da estirpe moralista messiânica do presidente e dos seus comparsas é bem pouco, quase nada, só algumas migalhas catadas pela militância infantilóide das redes sociais. Por trás do linguajar chulo e do caráter xucro, a postura bolsonarista tem se revelado como sendo uma mistureba de traidor, ingrato e oportunista. São fartas demissões em público, sem ética e com requintes de torturador. Menosprezar e descartar àqueles que se comprometeram em se macular como escada para o cargo e o poder, é só uma “besteira” em um universo de podridão, sem nenhuma categoria. Os últimos capítulos dessa série burlesca são sintomáticos, não só pelo aspecto da síndrome de Judas, como também pela caricatura decadente do salvador da pátria.
O partido já não interessa mais, tudo indica que ele vai dar um golpe no próprio partido. Luciano Bivar, presidente do PSL, já não interessa mais, está sendo fritado por estar sendo investigado por caixa 2, acusado de desviar dinheiro do fundo especial de campanha. “Cara, não divulga isso não, cara. O cara tá queimado para caramba lá. Entendeu? E vai queimar o meu filme também. Esquece esse cara. Esquece o partido.”, disse ele, em cena recente, para um babão e sobre o partido e o presidente do partido, que ele é filiado, e recebeu integral apoio dele. Cena de bandido.
A trama é sofisticada em suas patifarias. A mesma investigação de caixa 2 aconteceu contra o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, eleito pelo PSL, que foi denunciado pelo Ministério Público Eleitoral pelos crimes de falsidade ideológica, apropriação indébita eleitoral e associação criminosa. Mas está mantido no cargo, não foi descartado, foi defendido por Moro, que também defendeu que não existe ligação nenhuma disso tudo com Bolsonaro. Quem poderia imaginar que o avatar da honestidade e da lisura da jurisprudência, Moro, fizesse o papel de pau mandado, chegando ao achincalhe de relevar a gravidade do caixa 2, crime que a bem pouco tempo, bem pouco mesmo, o paladino da Lava-Jato, com sua lanterna na mão, qualificou como hediondo?
Nessas últimas cenas a trilha de corrupção leva ao inferno político bolsonarista. O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho, do MDB, o partido que tem o maior número de canalhas por metro quadrado, é acusado de corrupção e está todo enrolado na embalagem das famílias de homens de bem, tementes a Deus. O Baleia Rossi é o presidente do MDB, partido de possível destino de Bolsonaro, com quem teve encontro sigiloso, o que já seria outra possibilidade de golpe partidário. Tudo isso é muito relevante. Tudo isso prova que o homem nunca foi à lua; que escola militarizada educa; que fazer “arminha” é sinal de quadrilha; que Lula está preso, babaca; e que a laranja é plana.
Por Marcos Leonel – Escritor e cidadão do mundo
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri