A recente quebra do sigilo nas investigações da PF sobre a Intentona de Golpe de Estado de 2022 revelou dados estarrecedores, já previsíveis: o Brasil faz parte da Grande Matozinho. Imaginem aí o primitivismo de altos comandantes das Forças Armadas brasileiras na articulação de uma cisão no estado democrático de direito, projeto digno de um Exército de Brancaleone. E os antecedentes já eram dignos de um episódio do Chaves.
Em 2019, o sargento da FAB Manoel Silva Rodrigues transportou quase quarenta quilos de Cocaína no avião do então chefe do GSI, General Augusto Heleno, da comitiva do então presidente Jair Bolsonaro. Preso pela alfândega espanhola, descobriu-se, depois, que já era a sétima vez que exercia a atividade de muambeiro da FAB, sem que o nosso Serviço de Informações, comandado por Heleno, tenha desconfiado de nada.
O amadorismo reapareceu no ano passado quando o General do Exército Mauro Lorena Cid fotografou a si mesmo junto com o relógio pertencente ao Brasil, açambarcado por Bolsonaro, entregando-se como contrabandista e estelionatário comum para a PF. Naquele período crítico, em que estivemos na iminência de esganar a Democracia, surgiu um outro capítulo digno de “Os Trapalhões”. Anderson Torres, que se escafedeu para os EUA no apagar das luzes do governo anterior, então ministro da Justiça e Segurança Pública, deixou no armário a minuta de um Decreto que permitia a Bolsonaro instaurar um Estado de Defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), anulando a eleição em que fora derrotado.
E a série de trapalhadas não tem fim: a reunião na casa do Ministro Braga Neto, em 12 novembro de 2022, logo depois da derrota, em que combinavam o Golpe de Estado e (pasmem vocês!) o assassinato de Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes, foi filmada e uma cópia está acoplada ao inquérito da PF, na Operação Contragolpe. Ali Mauro Cid, o Major Rafael de Oliveira e o Ten. Coronel Ferreira Lima entre outros, tramavam, a viva voz e imagens, o uso da Elite do Exército, chamada de Kids Pretos, na trama do assassinato, a criação de um grupo de WhatsApp chamado de Copa 2022, e uma vaquinha de R$ 100.000, para custear as despesas logísticas da Intentona. Resta saber se a grana saiu dos cofres públicos.
Dados do grupo foram também acessados facilmente pela PF, com conversas transcritas. Os Kids Pretos estiveram junto dos atos de vandalismo do 08 de Janeiro e assessoraram os grupos que se reuniam defronte dos quartéis. Eles, inclusive, segundo a PF, estiveram prestes a executar Alexandre de Moraes. Não o fizeram por conta da reunião do STF ter terminado mais cedo do que o esperado. Rafael deixou rastros nos seus deslocamentos, uma digital numa CNH e a PF tem a gravação de toda a operação e a combinação pelos celulares. A SWAT brasileira trabalhou como um reles vigia de meio de rua. O plano para executar Lula e Alckmin passava pelo uso de venenos que seriam colocados em bebidas ou alimentos. Claro que, na cabeça deles, a execução das três autoridades mais importantes do país, a um só tempo, não causaria nenhuma desconfiança e nenhuma repercussão internacional. Nos mais diversos passos do inquérito está a impressão digital do Palácio do Planalto à época. Em todos os casos, vejam vocês, envolveram-se as patentes mais graduadas das Forças Armadas, donde se conclui que estamos prontos para ensinar técnicas de espionagem ao Mossad e enfrentar, em campo de batalha, o Exército da China.
A Extrema Direita vive esculachando as Ditaduras da Venezuela e da Nicarágua, mas não tem nenhum pejo em propor uma Ditadura Militar à brasileira, inclusive com o assassinato do presidente do TSE, dos presidente e vice eleitos no Brasil por voto popular. A mesma turma que vive propondo a Pena de Morte no país e a diminuição da maioridade penal, a proibição de saídas temporárias de presos das cadeias, entra com projeto para anistiar os malfeitores antidemocráticos e que não se tornaram assassinos por mera incompetência. Falam em pacificação os que agiram com ódio, rancor, que queriam instalar um Estado de exceção cuja lei seria ditada por eles mesmos, com a receita que já conhecemos: ditadura, morte, prisão sem processo legal.
Inocentar os criminosos de hoje é apenas chocar o ovo da serpente que irá eclodir logo amanhã. Que se faça a justiça, conforme prevê a Constituição, com ampla possibilidade de defesa (aquela mesma que as ditaduras não sabem do que se trata). Cadeia para os que atentaram contra o maior bem e dádiva que tem uma nação: a Democracia. E paira em todos nós a pergunta que não se aquieta. Pagos regiamente com nosso dinheiro para que serve mesmo essa tropa, além de usar as armas e a munição que lhes damos para atirar contra nós mesmos?
Por J. Flávio Vieira. Médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC). Agraciado com a Medalha do Mérito Bárbara de Alencar
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor, e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri