No Brasil encoberto e profundo de diversidade e pluralidade estética, artística e cultural se reoxigena, hibrida e se reinventa a produção, circulação, fruição e continuidade dos saberes e fazeres. Do popular ao contemporâneo, do erudito a cultura de massas, os lugares e os territórios estão compostos de cores, formas, sabores, sons, calores, expressões e visões ainda desconhecidas e que optam em não se tornar pessoas jurídicas.
As particularidades da multiplicidade em que a cultura transita não cabe no contexto da realidade administrativa do estado brasileiro, o que o reforça o caráter excludente, seletivo e burocratizante da legislação de acessibilidade e prestação de contas dos recursos públicos para as organizações e iniciativas “desjuridicadas”.
É necessário, constituir um marco legal que submeta a lógica jurídica a necessidade política de atendimento das demandas e particularidades das expressões culturais e das linguagens artísticas, no sentido de promover descentralização, ampliação da diversidade, desburocratização e simplificação de acesso aos recursos públicos.
Insurgir contra a conjuntura jurídica atual para a cultura de acesso aos recursos públicos é uma necessidade histórica para descobrir a nossa diversidade simbólica e redistribuir o fluxo da economia da cultura, no sentido desconcentrar e ganhar capilaridade econômica nas margens e bases comunitárias.
A desjudidicação da cultura, ou seja, as iniciativas e organizações que atuam e configuram o cenário simbólico brasileiro e que não possuem Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ, É uma realidade, numericamente desconhecida.
Com a descontinuidade do Sistema Nacional de Cultura no pais, interrompida de forma veloz e proposital pelo governo Bolsonaro, esse cenário para análise, ainda fica mais distante. Planejar, mapear, garantir a participação social e recursos financeiros para as políticas públicas para a cultura é uma das prerrogativas desse Sistema. O qual tem a sua discussão retomada pelos movimentos sociais, gestores estaduais e municipais, em 2020, por conta do amplo movimento pela aprovação da Lei Aldir Blanc – Lei de Emergência Cultural, que pela primeira vez provocou o repasse de recursos para cultura do Governo Federal para estados e munícipios. A Lei Aldir Blanc também suscita o debate sobre a “desjuridicação” da cultura.
As festas populares como carnavais, malhações de judas, dias de reis, caretas, quadrilhas juninas e grupos de break, slam, saraus, batalhas de rap, coletivos de artes visuais, grupos da tradição popular, cineclubes, movimentos circenses, bibliotecas comunitárias, teatros de comunidade, grupos de performers, cavalgadas e diversas outras iniciativas e organizações atuam no Brasil, sem CNPJ.
O CNPJ não deve ser um pré-requisito para acessar os recursos públicos. A lógica deve ser pautada na dimensão da cidadania cultural e desfazer as esteiras de exclusão e elitização cultural.
O estado brasileiro precisa mapear e reconhecer a pulsação das iniciativas e organizações culturais e artísticas do pais que compõem os circuitos das margens e as configurações hibridas, plurais e autônomas que se espalham e se reinventam. O pensamento deve ser norteado pela política do Cultura Viva, sufocada em tempos de obscurantismo e bolsonarismo, mas a principal referência e marco legal no país, para pensar a cultura a partir das suas beiras e bases comunitárias.
Por Alexandre Lucas. Pedagogo, integrante do Coletivo Camaradas e presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais do Crato/CE
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