Tiradentes nunca foi herói de nada. Nunca foi mártir de porcaria nenhuma nas terras tupiniquins. O sujeito era um vigarista, leviano, trapaceiro e representante dos pecuniosos da época. Tudo que você aprendeu na escola sobre esse cara é leviandade inventada pelos presidentes militares e reforçada ‘ad nauseum’ pela ditadura.
Joaquim José da Silva Xavier é um daqueles heróis que “colaram” na memória popular. Enforcado aos 21 de abril de 1792, foi entronizado no panteão nacional pela República e muito especialmente sob a última ditadura que vivemos, entre 1964 e 1985. O fato de ter sido um militar de tropa paga, com a patente de alferes (leia-se, subtenente), certamente tem a ver com essa sublimação e a exacerbação das celebrações em sua homenagem.
Talvez sua naturalidade mineira tenha colaborado para reforçar esse processo de mitificação, que poderia ter alcançado personagens militares de outros movimentos do passado colonial de maior enraizamento social e impacto político, como foram a conspiração dos Alfaiates, na Bahia, em 1798, e a Revolução Pernambucana de 1817. Arrisco a conjecturar, portanto, que a celebração do alferes seria a afirmativa da disputa regionalista que sempre esteve arraigada no mito da história oficial contada no Brasil.
E, mais, ele era contra a abolição da escravidão. Se dependesse dele, o Brasil seria como o restante da América Latina: dezenas de republiquetas bananeiras, divididas e pobres. Tiradentes não se sacrificou. Foi condenado à morte pelo crime de alta traição (e outro pagou pelo crime). E convenhamos: para a época, ele foi julgado com muita benevolência.
Se isso acontecesse em outro país civilizado da época, Tiradentes seria executado sem a chance de explicar o que fez. Pelo contrário, aqui ele recebeu o devido processo legal, mesmo estando numa colônia das Américas. O procedimento judicial de apuração durou anos. O alferes ainda recebeu o benefício da forca antes de sofrer o esquartejamento. Em outros países, ele não teria essa regalia. É muito fácil acusar o rei português de cruel e proclamar Tiradentes um herói. Devemos nos lembrar de que ainda existe pena de morte para militares que cometam um dos 36 crimes previstos no Código Penal Militar em tempo de guerra. São diversos crimes: traição (art. 355), favorecimento do inimigo (artigo 356), covardia (art. 364), espionagem (art. 366), motim (art. 368), rendição precipitada (art. 372), abandono de posto (art. 390), libertação de prisioneiro (art. 394) e outros.
Portanto, é injusto considerar a pena de morte dada a Tiradentes como excessiva quando nós mesmos adotamos a pena de Morte para nossos militares. Mas o pior não é isso. Tiradentes não morreu enforcado. Segundo o historiador Carlos Eduardo Lins da Silva, “o infame traidor fugiu para França onde viveu como outra pessoa, enquanto um pobre coitado por nome de Isidro Gouveia morrera enforcado em seu lugar”. Anos depois, ele voltou para o Brasil e abriu uma botica. Enfim: o herói Tiradentes é uma farsa. Tiradentes como é ensinado nas escolas nunca existiu. Trata-se apenas de uma estória inventada pelos republicanos do séc. XIX para tentar legitimar o golpe militar republicano. E reforçada pelos ditadores militares das décadas de 1960 até 1980.
Tiradentes também não era “barbudo”, nem se parecia com Jesus Cristo. Ele era um alferes. E como todos os demais militares, era obrigado a raspar a barba ou sofrer os castigos da corporação. Assim como atualmente, os recrutas que não fazem a barba, também são punidos pelo quartel. E mais: Tiradentes não era pobre, mas um homem de posses. Nasceu em São João del-Rei, MG, na fazenda do Pombal (Hoje em Ritápolis, MG). Uma enorme fazenda ressalte-se. Mas não para por aí: ele também possuía várias outras fazendas no Estado de Minas Gerais. Além disso, ele possuía escravos e outros bens. Então, como poderia ter sido pobre? E isso é fácil de provar por causa da existência de um processo judicial que Tiradentes sofreu antes de ser condenado por alta traição. Motivo: o “herói” enganou uma viúva e deflorou a filha dela (coisa grave para época). Eis o que está nos autos: “Vivendo em sociedade por causa daquela promessa, doou à mesma suplicante uma escrava por nome de Maria, de nação Angola, que sucedendo ser preso o dito alferes Joaquim José da Silva Xavier na cidade do Rio de Janeiro, foi confiscado, ou sequestrado com outros mais bens”. Conforme o Processo, Tiradentes doou (de boca) para família da moça deflorada uma escrava para poder compensar o dano causado, mas a escrava foi confiscada posteriormente por causa da alta traição cometida pelo Alferes contra a coroa. Como a transação não tinha sido documentada e o Alferes não manteve a palavra, a escrava foi confiscada como se ainda pertencesse a Tiradentes e a pobre moça teve que recorrer à Justiça para tentar recuperar a escrava. É por causa desse processo, que hoje se sabe que Tiradentes, além de rico e leviano, era também um deflorador de donzelas.
São mais de 100 anos no qual a república tenta criar a imagem de um “herói” cujo “grande mérito” era querer dividir o Brasil, através do “ardil da alta traição” com o apoio de alguns. E mais: ele queria uma Minas Gerais “Livre” na qual os negros continuariam escravos. Tiradentes sequer teve a dignidade de morrer como devia, mas deixou outro sofrer no seu lugar.
Tiradentes só poderia ser considerado herói numa república como a brasileira na qual a “elite” é chucra, tosca e o conservadorismo reina, a traição, a dissimulação e a quebra de juramentos fazem de um vilão um herói nacional.
Por Sandro Leonel. Um kaririense inquieto
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri
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Notas:
“Tiradentes foi enforcado em 21 de abril de 1792, certo? Há controvérsias. Em 1969, um historiador carioca, Marcos Correia, pesquisava sobre José Bonifácio de Andrada e Silva, em Paris, e deu de cara com uma cópia de um documento arquivado na Torre do Tombo, em Lisboa, em que, perto da assinatura dele havia outra de um tal de Antônio Xavier da Silva. O historiador havia estudado grafologia e uma assinatura muito estudada por ele foi a de Tiradentes. Achou muito semelhante a ela a assinatura desse Antônio Xavier da Silva. Daí foram feitos estudos e surgiu a versão de um ladrão, Isidro Gouveia, que também havia sido condenado à morte, foi enforcado no lugar de Tiradentes. Topou assumir o lugar dele em troca de ajuda financeira à sua família. A manobra toda teria sido feita pela Maçonaria, que libertou Tiradentes e, em agosto de 1792, o levou para Lisboa com a namorada Perpétua Mineira e os filhos do ladrão enforcado no lugar dele, na nau Golfinho. Ele teria voltado ao Brasil e aberto uma botica. Segundo essa versão, só morreu em 1818, quatro anos dantes de ser reconhecido como Mártir da Independência.”
Muozar Benedito: Jornalista nasceu em Nova Resende (MG)
“Tiradentes jamais se colocou a favor da abolição da escravidão, como bradam algumas lideranças políticas mineiras e magistrados pátrios da atualidade.”
Luiz Carlos Villalta, professor da UFMG, sobre a imagem popular de Joaquim José da Silva Xavier