Paternidade, ao contrário da maternidade, é tratada por vários homens como opção: muitos tomam, diariamente, a decisão de não assumir ou reconhecer os filhos que geram. No Ceará, de janeiro a junho deste ano, 4.148 crianças já foram registradas sem o nome do pai.
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O número é o maior desde 2016, considerando o mesmo período de cada ano, e representa 7,3% de todos os nascimentos registrados no Ceará em 2022. A porcentagem também é a mais alta registrada na série histórica.
Em média, todo ano, quase 7 mil cearenses são registrados com “pais ausentes”, nomenclatura dada pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), responsável pelo levantamento.
Clara* (nome fictício) é uma das crianças que integram esse dado. A pequena, nascida em 2021, foi fruto de uma relação casual entre a mãe, Luana*, 28, e um homem que, até então, era amigo da família. Com a gestação, ele cortou contato, o que a jovem “decidiu respeitar”.
“Foi tudo inesperado, tanto a gravidez como a reação dele. Mas decidi que se ele, que eu achava ser meu amigo, agiu dessa forma, minha filha não merecia esse pai. Hoje, somos felizes, só nós duas e minha família”, sentencia Luana*, que pediu para não ser identificada nesta reportagem, para preservar Clara*.
Fora das estatísticas de “pais ausentes”, disponibilizadas pela Arpen somente a partir de 2016, também está Vitória, de 8 anos, filha da autônoma Juliana Lopes, 26.
A pequena não tem o nome do genitor na certidão de nascimento porque ele duvidou de que a gravidez de Juliana era de responsabilidade dele. “Quando fui atrás dele pra registrar, ele disse que a menina não era dele. Registrei sozinha, pela decepção”, relembra a mãe.
É o segundo filho dela cujos pais “decidiram” não assumir.
“Minha mãe sempre disse ‘nunca dependa de homem nenhum, mulher pode tudo’. Não fui brigar pra ter o nome dele no registro se ele não ia comparecer. Eu fui registrada com o nome do meu pai, mas nunca convivi.”
Juliana Lopes, autônoma
Efeitos da ausência paterna
De acordo com a Arpen, “o registro de nascimento, quando o pai for ausente ou se recusar a realizá-lo, pode ser feito somente em nome da mãe, que, no ato, pode indicar o nome do suposto pai ao cartório, que dará início ao processo de reconhecimento judicial de paternidade”.
Roberta Quaranta, defensora pública que atua na área de família, observa que os perfis de assistidos que procuram o reconhecimento da paternidade são muitos: “a maioria é de pessoas que viveram em união estável, namoravam ou tiveram um romance, e o homem ‘pulou fora’, pontua.
“Qualquer ausência, seja paterna ou materna, deixa marcas pra sempre na vida de crianças e adolescentes. Não precisa o pai ser ausente fisicamente. Tem muitos pais que vivem com as genitoras, mas não se mostram presentes na criação.”
Roberta Quaranta, defensora
A defensora pública destaca, ainda, os danos que pais ausentes causam aos filhos. “Além dos aspectos emocionais, há os financeiros, que trazem efeitos drásticos, inclusive na diminuição do padrão de vida da criança e adolescente, refletindo no acesso a políticas públicas de educação e saúde.”
A questão transcende os pequenos: atinge em cheio a vida das mulheres. “Elas ficam sobrecarregadas, muitas deixam de ter acesso ao mercado de trabalho, porque não têm onde deixar os filhos. Fora isso, há toda a sobrecarga emocional”, pontua Roberta.
Impacto da pandemia
Nos últimos dois anos, porém, outra causa se somou aos números de “pais ausentes” nos registros civis dos filhos: as mortes causadas pela pandemia.
Em Fortaleza, um levantamento prévio da Prefeitura divulgado no mês passado identificou que pelo menos 127 crianças de 0 a 3 anos ficaram órfãs de pai ou de mãe, durante a pandemia.
A defensora Roberta Quaranta explica que se o pai da criança morrer antes do nascimento e for casado oficialmente com a mãe, o registro pode acontecer “por presunção da paternidade”.
“Mas se for união estável ou namoro, tem que entrar com investigação de paternidade pós-morte, por meio de amostras de DNA da família do falecido. Pra isso, a criança tem que estar registrada, mesmo sem o nome do pai”, frisa.
À reportagem, a psicóloga Andreya Arruda Amendola destaca que muitas mulheres, apesar da sobrecarga que isso representa, “desempenham lindamente ambas as funções, de pai e de mãe”, mas que a lacuna da figura paterna pode persistir.
“A própria vida da criança demanda isso – como na escola, por exemplo. Mesmo que a mãe desempenhe essa função paterna, pode ficar, em alguns casos, a ausência de um elo”, finaliza.
Por Theyse Viana
Fonte: Diário do Nordeste