Festa do beijo em Juazeiro do Norte. Aniversário com 40 pessoas em Pacatuba. Clube de reggae com mais de 100 participantes na Praia de Iracema, em Fortaleza. Festejo junino em açude na cidade do Crato. Todos esses eventos foram realizados no Ceará, de forma ilegal, durante a pandemia da Covid-19.
Além do descumprimento aos decretos vigentes, estes eventos, segundo especialistas, agravam a crise sanitária. Os reflexos são hospitais em estado de colapso e pacientes morrendo à espera de leitos de UTI. Registros de desrespeitos como estes, no entanto, não têm sido uma exceção. Em média, a cada 8 horas, a Polícia realiza uma autuação desta natureza no Estado.
Ao todo, portanto, já foram realizados 1.408 Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCO) por descumprimento aos decretos municipais e estaduais de combate à Covid-19. Os dados são da Gerência de Estatística e Geoprocessamento (Geesp) da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), contabilizados desde o início da pandemia, em março de 2020, até o fim de maio deste ano.
O número de TCOs nos primeiros seis meses deste ano é superior ao registrados no primeiro semestre de 2020 e nos seis meses finais do ano passado.
• março a junho de 2020: 406 TCOs
• junho a dezembro de 2020: 321 TCOs
• janeiro a maio de 2021: 681 TCOs
Questionado se alguém, desde o início da pandemia, foi preso por descumprir os decretos, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS) explicou que “o artigo 268 do Código Penal é um crime de menor potencial ofensivo, não cabendo prisão em flagrante, nem a exigência de fiança, conforme artigo 69, da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95)”.
Cenário preocupante
Na prática, os descumprimentos não se limitam apenas a estes 1.408 TCOs. A tenente-coronel da PM, Fátima de Paula, explica que o Termo Circunstanciado só é lavrado após reincidência do desrespeito aos decretos vigentes. Antes, os profissionais de segurança pública e órgãos municipais dão orientação de que aquela pessoa está infringindo uma determinação do poder público.
Caso haja insistência na ação ou desrespeito à ordem policial, a pessoa – ou o grupo – é conduzido a uma delegacia da Polícia Civil, onde poderá ser autuado em um TCO.
Fortaleza tem média superior
Os números disponibilizados pela Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp) não incluem os autos de infrações aplicados pela Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis). Somente neste ano, já foram 530 autos, o que confere uma média de quase uma infração a cada 7 horas.
Segunda a Agefis, as infrações mais comuns são as aglomerações, estabelecimentos comerciais funcionando de forma irregular e festas clandestinas. A Agência pontuou que “monitora e atua continuamente verificando o cumprimento das medidas sanitárias de combate à Covid-19”.
Ressaltou ainda que durante as ações, “os fiscais realizam ações educativas conscientizando a população sobre a importância do uso de máscaras de proteção, do cumprimento do distanciamento social e da higienização das mãos com álcool em gel em 70%”.
As fiscalizações da Agefis em Fortaleza são realizadas com apoio da Inspetoria de Proteção Ambiental (Ipam), da Guarda Municipal de Fortaleza (GMFor), da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) e do Batalhão de Polícia de Meio Ambiente (BPMA).
A reportagem perguntou qual o quantitativo de autos registrados no ano passado, no entanto, a Agefis não informou, justificando que “as metodologias de coletas de dados de 2020 e 2021 são diferentes”, por esta razão, “só há como coletar os dados reais de 2021”.
Em relação à aplicação das multas, a Agência destacou que “o valor depende de alguns fatores, como a gravidade da infração, as circunstâncias atenuantes e agravantes e a capacidade econômica do autuado”. O valor da multa, ainda segundo a Agefis, é arbitrado pela Junta de Análise e Julgamento de Processos (JAP) da Agefis.
Contudo, a Agência não informou quantas multas foram aplicadas e quais os valores. A assessoria do órgão disse, porém, que os infratores podem recorrer da decisão e que “a JAP dispõe de uma Câmara Recursal que realiza o julgamento em decisões colegiadas, com a participação de representantes do Município e da sociedade civil”.
Impacto no combate à pandemia
A infectologista e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) Mônica Façanha alerta que esses “descumprimentos aos decretos” têm impacto direto no combate à pandemia. Segundo a especialista, “o único jeito de termos o sistema de saúde em colapso, é frear a contaminação e isso só acontece com respeitos aos protocolos”.
“A gente não sabe quem vai adoecer de forma leve ou grave. Determinado infectado pode até ter um caso leve, mas a pessoa para quem ele transmitiu o vírus, pode ter um caso grave. Então é preciso máximo cuidado de todos.”
Monica Façanha, infectologista
Monica avalia que uma das estratégias para reduzir este alto números de infrações, seria apostar na conscientização por grupos, com foco maior nos jovens. “Muitos têm na memória o cenário da primeira onda, em que eles não eram tão ameaçados pelo vírus, diferentemente dos idosos. Então ele acha que está seguro, erroneamente, e acaba se expondo”.
O problema, acrescenta a infectologista, é de que além de se expor, esse jovem expõe inúmeras outras vezes que passam a ficar vulneráveis caso este jovem seja infectado. “O Estado não tem como fiscalizar todos os locais, ele não consegue ser onipresente, portanto, só um trabalho forte de conscientização melhoraria esse cenário de desrespeito”.
“O jovem sempre acha que pode acontecer com todos, menos com ele. Essa exposição desnecessária acaba prolongando a pandemia e impacta no sistema de saúde, que já está superlotado.”
Monica Façanha, infectologista e docente
O que diz a lei?
Os Termos Circunstanciados de Ocorrência são aplicados com base no artigo 268 do Código Penal, que trata como crime “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. A pena prevista é de detenção de um mês a um ano, e multa.
Segundo a legislação, a pena ainda é aumentada em um terço, caso o agente seja funcionário da saúde pública ou exerça a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro. Ao ser autuado, o indivíduo assina o documento e se coloca à disposição da Justiça para prestar esclarecimentos sobre o episódio de descumprimento, quando solicitado.
Denúncias de aglomerações ou outros descumprimentos de decretos podem ser feitos através dos telefones:
• Vigilância Sanitária e Central da Plataforma Ceará Transparente: 150, 3252-2155, 3252-1571, 3252-1587
• Ouvidoria Geral do SUS e Ministério da Saúde: 136
• Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE): 127 ou 0800.28.11.553
• Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops) da SSPDS: 190
Por André Costa
Fonte: Diário do Nordeste