Embora em queda nos últimos anos, o número de indenizações pagas do Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT) alerta para um cenário preocupante: a incidência de jovens nos sinistros. Em 2018, a Seguradora Líder emitiu 896 indenizações por mortes de pessoas entre 18 e 34 anos no Ceará, colocando o Estado como o 5º do Brasil em número de óbitos no trânsito nessa faixa etária. Acima dele no Nordeste somente a Bahia, com 1.053 mortes.
O balanço, levantado pelo Núcleo de Dados do Sistema Verdes Mares, aponta, no entanto, uma redução de 9,04% no número de indenizações concedidas por mortes de jovens se comparado a 2015, quando 985 morreram em acidentes de trânsito. Nesse ranking, o Estado ocupava a 6ª posição nacional nos últimos três anos.
Se levadas em consideração as indenizações pagas a essa faixa etária em 2018, a redução foi ainda maior, de 70% quando verificados os últimos quatro anos. A Seguradora Líder ressarciu 10.674 jovens vítimas de ocorrências no trânsito no ano passado, cerca de 47% de todas as compensações pagas no período. Entre os jovens que receberam indenizações, ainda segundo o levantamento, 7.444 estavam na condição de motorista, o equivalente a cerca de 69,74% do total; 1.695 eram passageiros (15,88%) e 1.535 eram pedestres (14,38% ).
Os dados revelam, ainda, que a moto foi o veículo utilizado pela imensa maioria das pessoas de 18 a 34 anos asseguradas pelo DPVAT no ano passado. Entre os veículos envolvidos em acidentes, 9.781 foram motocicletas (91,63%), 617 foram automóveis (5,78%) e 133 ciclomotores (1,25%).
Foi exatamente em cima de uma motocicleta que o porteiro Darly Silva da Costa viu sua vida mudar, para pior. Há cerca de cinco anos, o jovem – na época com 20 anos de idade – trafegava no Anel Viário como garupeiro quando um carro na contramão colidiu de frente com a moto em que estava. Darly teve fratura exposta na perna e acabou perdendo 15 centímetros do membro.
Até o momento, passou por dois procedimentos cirúrgicos e precisa de mais três, que desde 2017 tenta realizar no Instituto Dr. José Frota (IJF), uma vez que os cerca de R$ 7 mil indenizados pela Seguradora Líder na primeira parcela não foram suficientes para cobrir todas as despesas, segundo diz.
“Preciso de um enxerto ósseo, que é tirar uma parte do osso da bacia para preencher o fêmur; de uma cirurgia para cortar o osso e alongar a perna, que está mais curta do que a outra; e ainda refixar o aparelho que está na minha perna, pois está afrouxando a cada dia que passa. Mas no IJF ainda não consegui porque todos os dias tem gente nova acidentada e eu tenho que ficar na fila do SUS”, afirma.
Enquanto os procedimentos não são realizados, o jovem amarga as limitações impostas pelo acidente, entre elas, o fato de não poder trabalhar e ajudar nas despesas da família. “No dia do acidente, eu estava com apenas seis dias de casado. Após dois meses internado, minha esposa descobriu que estava grávida. Lutei contra a minha recuperação para ver o nascimento do meu filho. Hoje não tenho vida. Ele quer jogar bola e eu não posso. Minha esposa é nova, tem que viver, eu tenho que viver, mas não consigo”, lamenta.
Carências
Para o coordenador executivo da iniciativa Bloomberg de Segurança Viária Global em Fortaleza, Dante Rosado, alguns problemas podem ser apontados como determinantes para a incidência de acidentes, especialmente entre os jovens. O primeiro, segundo destaca, é a má qualidade dos cursos de formação em todo o País, a começar pela capacitação dos próprios instrutores, ineficiente para habilitar novos motoristas. “E aí o que acontece é que os condutores vão ganhar a experiência e aprender de fato a dirigir ou conduzir uma motocicleta na vida real, na prática”, afirma o especialista.
A ausência do processo de municipalização do trânsito em parte do Interior do Estado, complementa Rosado, impacta diretamente numa fiscalização efetiva nas ruas.
“Cidades não municipalizados ficam dependentes do Detran para realizar intervenções de sinalização, engenharia e fiscalização. Quando há municipalização há uma tendência na redução dos acidentes. A gente sabe que uma prática comum no Interior e nas periferias de Fortaleza é a utilização de veículos sem habilitação, muitas vezes adolescentes e às vezes crianças utilizando moto e até mesmo veículos. Se você não tem um trânsito municipalizado naquela região, possivelmente o Detran não vai conseguir dar tanta atenção à região. Sem uma fiscalização adequada, as pessoas se sentirão convidadas a estarem em cima de uma moto sem habilitação, sem capacete ou conduzi-la sob o efeito de álcool”, pontua Rosado.
Comportamento
Embasando as estatísticas, Dante destaca uma pesquisa realizada com acidentados da Capital atendidos no IJF, a fim de identificar comportamentos de risco entre pessoas habilitadas e não habilitadas.
Entre os entrevistados não habilitados, segundo diz, 57% deles admitiram não usar o capacete no momento do acidente. Já entre os que possuiam permissão para dirigir, somente 15,6% não usavam o equipamento de segurança, “Isso mostra que o condutor habilitado tende a seguir mais as leis. Esse mesmo comportamento foi verificado no consumo de álcool”, diz Rosado.
Por Renato Bezerra
Fonte: Diário do Nordeste