Entender quais são as carências da sociedade e procurar soluções para os desafios contemporâneos é uma atividade diária para centenas de pesquisadores no Ceará. Muitos deles encontram suporte em bolsas universitárias que oferecem remuneração para o estudo, seja de desenvolvimento tecnológico ou social. Porém, a partir de outubro não há orçamento para pagar nenhum dos bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ao todo, 2.295 pesquisadores serão afetados no Ceará. Cenário nacional, 83.405 estudantes de graduação e pós-graduação, alguns em países como Estados Unidos, Canadá, Chile e Nova Zelândia, estão na mesma situação. Segundo o CNPq são necessários R$ 330 milhões para garantir o pagamento de todos os bolsistas do órgão até o fim deste ano.
No Estado, a Universidade Federal do Ceará (UFC) e Universidade Estadual do Ceará (Uece) estão entre as beneficiadas com vagas para bolsistas, conforme o mapa de investimento do órgão.
Entre os pesquisadores está a mestranda Cemila Pansera, 32, que saiu do Rio Grande do Sul, em 2018, para estudar Ciências do Solo na UFC. “Eu fico muito triste, o que a gente ouve, desde pequeno, é que se você ser alguém na vida tem de estudar. O país, para crescer, precisa muito mais do que mão de obra de mercado, precisa ser focado em pesquisa para ter um desenvolvimento da indústria nacional”, reflete sobre a situação.
Cemila desenvolve pesquisa sobre o uso de espectrorradiometria em ambiente semiárido. Apesar do título extenso, o objetivo do estudo é simples de entender: fazer o mapeamento do solo e desenvolver estratégias para manter a sua qualidade. “Não tem muita gente trabalhando com isso e é de suma importância para agricultura e, principalmente, para questões ambientais”, destaca.
Além da relevância para a produção de alimentos, a pesquisa pode auxiliar no planejamento das cidades nos desafios como a degradação, desertificação e salinização do solo, por exemplo. “Hoje em dia uma classificação do solo demora muito tempo. Você tem de ir no campo, coletar o solo, checar e ir ao laboratório. Isso demora vários dias”, explica. Conforme a pesquisadora, com a tecnologia se economiza tempo e recursos, além de reduzir a produção de insumos que prejudicam o meio ambiente.
Cemila recebe R$ 1.500 mensais para custear a vida em Fortaleza e, como acordado em contrato, não pode exercer outra atividade remunerada fora a da sua pesquisa. “A bolsa não é considerada um salário, na verdade, ela é um investimento público na nossa formação. No meu caso, ela me mantém aqui e eu só pude vir para cá por causa bolsa, pois é com ela que eu pago meu aluguel, contas e alimentação”, ressalta.
Além de incentivo
O CNPq, agência do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), foi criado em 1951 para fomentar a pesquisa científica e tecnológica no país. As atividades desenvolvidas com o apoio do CNPq contribuem para a formação de pesquisadores, para o desenvolvimento nacional e no reconhecimento das produções brasileiras pela comunidade científica internacional.
Sobre a atual situação de limitações no orçamento e dificuldades para pagamento dos bolsistas, o órgão disse que, associado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), está envidando todos os esforços junto ao Ministério da Economia para conseguir este crédito suplementar.
Situação local
Devido às limitações no orçamento no âmbito local, as vagas para bolsista da Universidade Federal do Ceará (UFC), executadas com recursos da Universidade, não poderão ser ocupadas por outros alunos, caso os estudantes originários deixem as atividades de apoio à instituição. A decisão foi oficializada pela Pró-Reitoria de Planejamento e Administração da UFC, anunciada no dia 1º de agosto, em decorrência do bloqueio orçamentário estimado em R$ 47 milhões, determinado pelo Governo Federal.
Com isso, serão afetadas as áreas de pesquisa e pós-graduação, graduação, extensão, assuntos estudantis e relações internacionais. Além da Secretaria de Tecnologia da Informação, de Cultura e Arte e Escola Integrada de Desenvolvimento e Inovação Acadêmica da Universidade.
Gabriela Lira, 20, é estudante de Psicologia na UFC e se preparava para assumir uma bolsa da faculdade, com remuneração de R$ 400,00, para dar suporte aos alunos de uma disciplina do curso. Ela já exercia uma atividade voluntária, mas soube da oportunidade quando um outro estudante anunciou que iria sair da monitoria estudantil. “Estava tudo certo, eu ia entregar os documentos. Foi quando eu vi a notícia que ia ser cortada a substituição e a criação de novas (bolsas). Eu fiquei totalmente sem chão porque estava contando com o dinheiro”, comenta.
Anteriormente, a estudante estagiava em uma empresa privada e se desligou por perceber que seria melhor conciliar o serviço como bolsista com suas obrigações acadêmicas. “Eu ficaria na UFC e não me deslocaria para nenhum lugar. É muito cansativo ficar em um estágio e não poder fazer cadeiras optativas e coisas na Universidade no contra turno. Eu estava querendo explorar mais essa parte, cuidar mais da minha vida acadêmica”, reflete sobre a medida.
Também está suspensa a publicação de editais criando novas vagas de bolsas até o momento em que o contingenciamento dos recursos estiver aplicado. Ficam de fora da medida as bolsas que são financiadas com recursos do Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES). Por nota, a UFC ressaltou que a decisão não afeta os bolsistas que estão em atividade. “O que acontece é que as bolsas ociosas, e só aquelas que são pagas com orçamento da UFC, não poderão ser reocupadas no momento”.
A Instituição ainda faz o levantamento do impacto para os estudantes. “Também é relevante ressaltar que a situação é temporária, e tão logo sejam feitos aportes no orçamento, isso poderá ser revisto”, é destacado no informe. Gabriela diz entender a razão da decisão, mas que não deixa de ser algo triste. Estava planejando custear suas passagens de ônibus, alimentação e gastos pessoais com a remuneração da bolsa. “É uma ajuda muito grande”, conclui a estudante.
Fonte: Diário do Nordeste