O ministro da Justiça, Sérgio Moro, disse nesta quarta-feira (19), em audiência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, que não tem nada a esconder sobre as conversas atribuídas a ele e a procuradores da Operação Lava Jato e que não tem “nenhum apego” pelo cargo de primeiro escalão do governo Jair Bolsonaro.
Moro foi ao Senado espontaneamente para dar explicações sobre o conteúdo das mensagens de celular divulgadas pelo site The Intercept nos últimos 10 dias. Os diálogos teriam ocorrido por meio do aplicativo de mensagens Telegram na época em que o ministro era o juiz responsável pelos processos da Lava Jato na Justiça Federal do Paraná.
O The Intercept tem revelado mensagens que sugerem que Sérgio Moro orientou a atuação de integrantes da força-tarefa da Lava Jato.
Na série de reportagens, o site divulgou supostas conversas nas quais o ex-juiz cobrava de procuradores deflagração de novas fases da operação, classificava de “showzinho” manifestação da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e afirmava que o fato de o Ministério Público Federal investigar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso “melindra alguém cujo apoio é importante”.
A audiência pública durou oito horas e 21 minutos. Ao longo do dia, senadores da oposição e aliados do Palácio do Planalto se revezaram para questionar o ministro da Justiça.
Parlamentares da oposição fizeram as perguntas mais duras ao ex-magistrado. Os senadores Jaques Wagner (PT-BA) e Weverton (PDT-MA) chegaram a indagar se, diante das mensagens divulgadas pelo The Intercept, não seria o caso de o ministro pedir demissão do governo federal.
“O senhor é um símbolo da Justiça. O senhor foi um homem corajoso, que prendeu homens poderosos. A OAB [Ordem dos Advogados dos Brasil] agora está propondo seu afastamento do Ministério da Justiça, para preservar a sua imagem de super homem, de super herói. O senhor não deveria se afastar?”, questionou o senador do PDT.
Nas respostas, Moro repetiu diversas vezes que não reconhece o conteúdo das mensagens divulgadas pelo site, mas que, mesmo assim, não vê nenhuma irregularidade nas conversas atribuídas a ele com procuradores da República que integram a força-tarefa da Lava Jato.
Ao responder um dos parlamentares, o ministro afirmou que está “absolutamente convicto da correção” das ações dele como juiz.
“Estou absolutamente tranquilo quanto a isso [correção das decisões], mas, se é esse o problema, então, o site apresente tudo. Aí a sociedade vai poder ver, de pronto, se houve alguma incorreção da minha parte”, desafiou o ministro.
‘Não existe conluio’
Para argumentar que não houve conluio com procuradores da República, o ministro da Justiça apresentou na CCJ do Senado um balanço de pedidos feitos pelo Ministério Público que foram negados por ele na época em que comandava os processos da Lava Jato.
“Foram mais ou menos 90 denúncias apresentadas pelo Ministério Público. Dessas 90 denúncias, 45 ações foram sentenciadas. O Ministério Público recorreu de 44 dessas 45 sentenças. Se falou muito em conluio. Aqui é um indicativo claro que não existe conluio nenhum, inclusive divergência.”
Segundo Moro, foram 291 acusados e 211 condenados, o que significa 21% de absolvições. “Também [é] o indicativo de que não há qualquer espécie de convergência absoluta entre o Ministério Público e o juiz, entre a polícia e o Ministério Público”, afirmou.
“Tem aqui um dado levantado pela minha equipe sobre prisões cautelares que, às vezes, é uma questão que chama mais atenção. 298 requerimentos de prisões cautelares, sejam preventivos, temporários. Houve 207 deferimentos e 91 indeferimentos”, completou o ministro.
Possíveis adulterações
Sérgio Moro explicou que, eventualmente, pode haver nas transcrições divulgadas pelo The Intercept algo que ele possa realmente ter dito, mas ressaltou que não tem como se certificar da autenticidade do conteúdo. Ele ponderou aos senadores que, na avaliação dele, o contexto pode ter sido alterado para criar “situação de escândalo” inexistente.
“O que eu vejo ali, nas mensagens que foram divulgadas, tem algumas coisas que eu eventualmente posso ter dito. Tem algumas coisas que me causam estranheza. Mas o fato é que ainda que tenha alguma coisa verdadeira, essas mensagens podem ser total ou parcialmente adulteradas, às vezes até com mudança de trecho ou mudança de palavra para caracterizar uma situação de escândalo que no fundo é inexistente. Desde o primeiro momento, nós sempre nos referimos como supostas mensagens. Eu não tenho como me certificar da autenticidade disso”.
O ministro afirmou ainda que o conteúdo dos diálogos não mostra nada fora do normal.
“Eventualmente, pode ter havido uma mensagem, mas nada do que não seria normal. Não estou dizendo mais uma vez que eu reconheço a autenticidade”, afirmou o ministro. “O fato é que várias pessoas lendo essas mensagens não identificaram, ao contrário de todo o sensacionalismo do site, ilícitos, irregularidades ou qualquer desvio ético.”
Moro afirma que não se lembra da íntegra das mensagens que trocou há dois ou três anos. Ele disse que não usa o aplicativo de mensagens Telegram desde 2017 e que não tem como recuperar o conteúdo original no aplicativo.
Em uma rede social, o Telegram informou nesta quarta-feira que as contas de usuários que ficam mais de seis meses inativos são destruídas automaticamente.
“Eu não lembro de mensagem que eu mandei um mês atrás, há dois meses. Querem que eu lembre mensagem que eu mandei há dois, três anos atrás. Não tem como. Não tenho esses elementos”, declarou Moro aos parlamentares.
Alguns minutos depois, na audiência, o senador Otto Alencar (PSD-BA) ironizou a fala de Moro. “Não exijo muito da memória do ministro Moro, porque ele tem péssima memória”, afirmou o parlamentar.
‘Invasão criminosa’
O ministro disse que houve invasão de celulares de autoridades feita por um “grupo criminoso” e não por um “adolescente com espinhas”.
“O que existe de fato é uma invasão criminosa, por um grupo organizado, que tem por objetivo ou invalidar investigação por lavagem de dinheiro e corrupção, ou desestabilizar investigações que ainda estão em andamento, e ainda podem atingir pessoas poderosas, ou possíveis ataques às instituições brasileiras”, completou Moro.
Segundo o ministro, seu celular foi alvo de um ataque em 4 de junho, e ele entregou o aparelho para a Polícia Federal para que o caso fosse investigado. Moro disse que não há evidência de que o conteúdo do celular foi acessado.
Conversas entre juízes e as partes do processo
Moro explicou que, na tradição jurídica brasileira, são normais conversas entre juízes, procuradores e advogados no decorrer do processo. O ministro citou artigos publicados na imprensa que apontaram esse tipo de diálogos como “normais”.
“Vamos esclarecer para quem não conhece, mas aqui estão vários ex-juízes, ex-policiais e ex- advogados. Vamos esclarecer. Aqui na tradição jurídica brasileira não é incomum que juiz converse com advogado, que juiz converse com promotor. Isso acontece a todo momento”, disse Moro.
“E, no caso do juiz criminal, é muito comum, já que o juiz responsável tanto pela fase de investigação como pela fase do processo, receba policiais e procuradores e converse sobre diligências que vão ser requeridas, diligências que vão ser cumpridas. Isso é absolutamente normal”, concluiu.
Ele citou dois exemplos: o procurador que se dirige a um juiz para dizer que vai pedir prisão preventiva de um suspeito; e um advogado que pede a revogação da prisão preventiva do cliente.
Fonte: G1