O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou as discussões nesta quinta-feira (24) sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Até a suspensão da sessão — que deve ser retomada em novembro — o placar era de 4 a 3 a favor da prisão em 2ª instância.
Até o momento votaram contra: Marco Aurélio, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski. Votaram a favor: Alexandre de Moraes, Luiz Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luis Fux.
Primeira a votar na sessão desta quinta-feira (24), a ministra Rosa Weber leu por uma hora seu voto sem dizer qual corrente iria adotar. Considerado um voto decisivo, a magistrada seguiu o relator, Marco Aurélio, e votou contra a prisão em segunda instância.
“Não se diga, portanto, que alterei meu entendimento na ocasião quanto ao tema de fundo. Minha leitura constitucional sempre foi e continua sendo a mesma”, disse a ministra. Ela justificou que, ao negar o pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula em 2018, permitindo a prisão em 2ª instância, foi em “atenção ao princípio da segurança jurídica”.
Em referência à presunção de inocência prevista na Constituição, Weber afirmou que “por mais louváveis que sejam as crenças políticas, éticas ou ideológicas a animarem esse desejo. Por melhores que sejam as intenções e por mais que eu, com elas, comungue, não há como o leitor evitar o significado dos símbolos gráficos marcados com tinta sobre o papel ou pelos padrões desenhados com pontos de luz na tela. Se a garantia é assegurada, não há como interpretá-la como se não existisse”.
Para a magistrada, o STF é guardião do texto constitucional, e não o seu autor. “Optou o constituinte não só por consagrar expressamente a presunção de inocência como a fazê-lo com fixação de marco temporal expresso ao definir com todas as letras, queiramos ou não como, como termo final da garantia de presunção de inocência o trânsito o em julgado da decisão condenatória”, disse.
A ministra citou, ainda, a ativista, professora e filosofa norte-americana Angela Davis: “Qualquer que seja a sua justificativa, o encarceramento é a própria negação da liberdade”, afirmou.
O julgamento será concluído apenas em novembro porque não haverá sessões plenárias do STF na próxima semana, conforme calendário divulgado pela Presidência da Corte no final do ano passado.
Nos bastidores do tribunal é dado como certo que a execução antecipada de pena será revista. A dúvida é se o tribunal vai optar por uma solução intermediária — o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que funciona como terceira instância — ou pelo trânsito em julgado, quando acabam todas as possibilidades do condenado.
Nesta terça-feira (23), Toffoli chegou a fazer um apelo aos colegas para encurtarem os votos no julgamento sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Ao final da sessão de ontem, no entanto, o presidente assegurou que “cada qual dos ministros terá o tempo que entender necessário” para expor seu ponto de vista.
Um dos receios dentro do STF é que o adiamento do desfecho do julgamento abra espaço para o surgimento de novas mobilizações e mais pressões contra a Corte. O decano, ministro Celso de Mello, criticou “pressões ilegítimas” sobre o tribunal e “surtos autoritários” que surgem da atuação “sinistra de delinquentes” que vivem no “submundo digital”.
O STF tem sofrido pressões para não derrubar a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. A intimidação mais agressiva vem de caminhoneiros bolsonaristas, que gravaram vídeos ameaçando novas paralisações caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva saia da cadeia.
A ofensiva também chegou aos gabinetes dos ministros, que não param de receber mensagens e ligações para impedir a revisão da atual jurisprudência.
Os votos
O Ministro Marco Aurélio Mello, relator de três ações que discutem a execução antecipada de pena, foi o primeiro a votar nesta quarta, ainda durante a sessão da manhã da Corte.
O ministro, único a se posicionar contra a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância até o momento, destacou que “é impossível devolver a liberdade perdida ao cidadão”.
Segundo Marco Aurélio Mello, não se pode inverter a ordem natural do processo-crime. “É preciso apurar para, formada a culpa, prender o cidadão em verdadeira execução da pena, que não comporta provisoriedade.”
O ministro Alexandre de Moraes, primeiro a votar durante a sessão Plenária da tarde, abriu divergência no julgamento ao votar pela manutenção da prisão após segunda instância.
Alexandre listou o posicionamento de todos os integrantes da Corte desde 1988, indicando que 71% dos ministros do STF desde a Constituição foram a favor da prisão em segunda instância.
Para o magistrado, “as instâncias ordinárias não podem ser transformadas em meros juízos de passagem sem qualquer efetividade de suas decisões penais”.
O voto de Alexandre de Moraes foi seguido pelo de Edson Fachin, que acompanhou o entendimento de que a execução da pena pode ocorrer após esgotados os recursos à segunda instância.
Segundo o relator da Operação Lava Jato no Supremo, seria “inviável” sustentar que todas prisões só possam ter o cumprimento iniciado após esgotamento de todos os recursos – o trânsito em julgado. “Se a prova não está em jogo, a presunção de inocência não é desafiada”, disse Fachin.
A sessão desta quarta foi suspensa logo após o ministro Luís Roberto Barroso concluir seu voto a favor da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.
“O Brasil vive uma epidemia de violência e corrupção. É mais bacana defender a liberdade do que mandar prender. Mas eu preciso evitar o próximo estupro, o próximo roubo”, disse Barroso em seu voto.
Jurisprudência
A execução antecipada de pena era permitida até 2009, quando o STF mudou de jurisprudência para admitir a prisão apenas depois do esgotamento de todos os recursos (o trânsito em julgado). Em 2016, a Corte voltou a admitir a medida, considerada fundamental por procuradores e juízes na punição de criminosos do colarinho branco.
A prisão em segunda instância é um dos pilares da Operação Lava Jato. Os procuradores da força-tarefa do Ministério Público Federal avaliam que políticos, doleiros, empresários e ex-dirigentes da Petrobras condenados estariam todos em liberdade, caso ainda predominasse o entendimento do Supremo anterior a 2016.
Atualmente, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), corte de apelação da Lava Jato, tem cerca de 100 condenados em segunda instância.
Fonte: Exame (Com Estadão Conteúdo)