Uma vez por ano, peixes saem do alto-mar e nadam em direção ao estuário de rios como o Tatuamunha, em Alagoas, onde soltam os seus ovos. Ali, os peixes nascem protegidos pelas raízes dos manguezais e têm mais chances de sobrevivência.
À medida que vão amadurecendo, migram para áreas mais abertas, como os recifes de corais, até chegarem ao mar aberto na vida adulta.
O ciclo está ameaçado após a chegada de toneladas de óleo à área de proteção ambiental Costa dos Corais, entre Alagoas e Pernambuco.
E esse é apenas um exemplo de como a contaminação por óleo pode quebrar o ciclo de diversas espécies marinhas do litoral brasileiro, com impacto também socioeconômico nas comunidades que vivem no seu entorno.
Desde o início da chegada das manchas ao litoral nordestino, em 30 de agosto, 14 unidades de conservação federais foram atingidas pelo óleo. Entre as regiões afetadas estão parques nacionais, áreas de proteção ambiental, reservas extrativistas, reservas biológicas e áreas de interesse ecológico.
As regiões são consideradas sensíveis do ponto de vista ambiental por sua diversidade biológica, além de aspectos estéticos e culturais. Por isso, têm a sua ocupação e uso dos recursos naturais disciplinados por regras que visam garantir a sua sustentabilidade.
Uma das áreas mais atingidas pelo óleo foi a Costa dos Corais, segunda maior área marinha protegida do Brasil. Há cerca de dez dias, uma mancha gigante surgiu na região, que abriga o principal santuário de peixes-boi do país, em Porto de Pedras (a 113 km de Maceió).
De acordo com o biólogo Clemente Coelho Júnior, conselheiro da área de preservação Costa dos Corais, a área é sensível por abrigar estuários de rios, recifes e bancos de gramas marinhas, essenciais para a alimentação e proteção de várias espécies.
“A gente já percebe que todos esses ecossistemas foram atingidos. Sem dúvida estamos frente à maior tragédia ambiental do litoral brasileiro.”
O biólogo ainda destaca o componente socioeconômico na contaminação da área de proteção: os ecossistemas locais são fundamentais para a pesca e para o turismo, principais atividades econômicas dos municípios da região.
Segundo Camila Keiko Takahashi, bióloga da Fundação SOS Mata Atlântica e coordenadora do Projeto Toyota APA Costa dos Corais, na chegada às praias com a maré alta, o óleo menos denso passa por cima das barreiras de corais. Mas quando a maré recua, a substância pode acabar grudando nas estruturas calcárias, o que torna muito difícil a sua remoção.
“Quando o óleo encosta, todo o organismo no coral morre, pela substância ser muito tóxica”, diz Takahashi.
No litoral sul de Alagoas, o óleo chegou na área de proteção ambiental de Piaçabuçu, onde fica a foz do rio São Francisco. Para evitar um dano maior no mais importante rio do Nordeste, barreiras de contenção foram instaladas na região da foz.
Nesta quarta (23), porém, uma grande quantidade de vôngoles —mariscos que localmente são chamados de massunins— apareceu morta na praia Pontal do Peba, dentro da área de proteção.
A morte em massa pode ter ocorrido por causa do óleo, já que os mariscos se alimentam filtrando a água que passa rente à areia. O Ibama afirmou que vai investigar as causas da morte dos animais.
Takahashi diz que é um sinal de alerta encontrar animais filtradores com sinais de óleo, porque isso poderia indicar um possível comprometimento das cadeiras alimentares das regiões afetadas. De acordo com ela, análises das águas de algumas regiões já estão sendo feitas.
Outras duas áreas de proteção ambiental também foram atingidas: Delta do Parnaíba (PI) e Barra do Rio Mamanguape (PB). Além disso, seis reservas extrativistas foram afetadas em cinco estados.
Entre os parques nacionais, o mais afetado foi o dos Lençóis Maranhenses. Somente nesta semana, 700 kg de óleo foram retirados da praia de Travosa, no município de Santo Amaro do Maranhão.
Há duas semanas, o óleo foi visto em outra área do parque: a praia de Atins, em Barreirinhas. Uma tartaruga foi encontrada coberta de óleo.
“Estamos monitorando a faixa costeira do parque para agir com rapidez caso chegue mais óleo”, diz Lucas Garcez, chefe do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses.
Também foi atingido, em menor proporção, o Parque Nacional de Jericoacoara, um dos principais destinos turísticos do Ceará. As manchas, que chegaram há cerca de um mês, já foram retiradas.
Além das unidades de conservação proteção federais, o óleo também atingiu áreas de proteção ambiental estaduais e municipais.
Só na Bahia, são sete áreas ambientalmente relevantes afetadas, como a baía de Todos-os-Santos, a Costa de Itacaré e Serra Grande, as ilhas de Tinharé e Boipeba, além do litoral norte.
A baía de Todos-os-Santos é considerada uma das mais relevantes por abrigar manguezais que terão impactos no médio e longo prazo, já que partículas microscópicas do petróleo impregnam na lama e são absorvidas por animais como ostras e caranguejos.
A contaminação por tais partículas também é preocupante no caso dos corais. Um vídeo de mergulhadores feito na região da praia do Cupe, vizinha a Porto de Galinhas, maior destino turístico de Pernambuco, mostra manchas de óleo no fundo do mar, próximas a corais. “Certamente as substâncias liberadas pelo óleo afetam as espécies de coral”, diz Carlos Teixeira, pesquisador do Labomar, da Universidade Federal do Ceará.
Área mais afetada pelo óleo na Bahia, contudo, foi o litoral norte. A região é um dos principais berçários de tartarugas marinhas no país.
De acordo com dados do Ibama, 2.190 filhotes de tartaruga foram capturados preventivamente e outros 624 em Sergipe. Parte deles foi solta em áreas que não foram atingidas por manchas de óleo.
Fonte: Folhapress