Foco de embates entre técnicos e a direção do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), os questionários do Censo Demográfico 2020 foram divulgados nesta segunda-feira (1º) com cortes em questões como rendimento, emigração e posse de bens, entre outras.
Para a associação que reúne os servidores do instituto (Assibge – Núcleo Chile), os cortes terão impacto na qualidade da pesquisa, com perdas em temas como déficit habitacional e na fórmula para projetar o crescimento populacional pelos próximos dez anos, até a realização do próximo censo.
O questionário básico, que é aplicado a 90% dos cerca de 71 milhões de domicílios brasileiros, ficou com 26 questões, oito a menos do que em 2010. Já o questionário completo, aplicado aos 10% restantes, foi reduzido de 112 para 76 perguntas.
A polêmica sobre os questionários ganhou força no início do ano, após a chegada da economista Susana Cordeiro Guerra à presidência do IBGE. Em sua posse, o ministro da Economia, Paulo Guedes, criticou o tamanho do censo brasileiro e determinou corte de custos.
A pesquisa estava orçada inicialmente em R$ 3,4 bilhões. Ao assumir, Guerra pediu redução de 25% no valor. Ela defende, porém, que a redução do questionário não tem relação com os cortes orçamentários e que não há perda de informação.
A Assibge diz que os questionários divulgados nesta segunda confirmam as preocupações dos técnicos. A entidade criticou especificamente a exclusão de questões sobre o valor do aluguel e emigração internacional. O primeiro caso, diz, prejudica avaliações sobre o déficit habitacional.
Já o segundo impacta nas projeções de população que são feitas no intervalo entre um censo e outro, já que a taxa de emigração é uma das variáveis da fórmula que calcula a evolução do número de brasileiros residentes. O dado é usado, por exemplo, para definir repasses do FPM (Fundo de Participação dos Municípios).
Não há também no questionário básico, diz a entidade, perguntas sobre outras formas de rendimento, como Bolsa-Família ou o BPC (benefício de prestação continuada). Emigração e outras formas de rendimento foram excluídas apenas do questionário básico.
Para o cientista social Rogério Barbosa, pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole da USP, a retirada de dados detalhados sobre renda do questionário básico prejudica a avaliação de estratégias de combate à pobreza. Além de não perguntar sobre outras fontes, o IBGE propõe perguntar apenas a renda do chefe do domicílio.
“Não dá para caracterizar um domicílio como pobre se só se sabe a renda do chefe, ainda mais em um momento de desemprego, em que outros membros podem ter ido buscar trabalho”, diz, acrescentando que as mudanças no quesito renda podem gerar até subnotificação por falta de informações.
O questionário completo, porém, sofreu também outros cortes, como por exemplo no quesito de posse de bens, como automóvel, motocicleta, televisão ou telefone –restando apenas perguntas sobre máquina de lavar e acesso à internet.
A ex-presidente do IBGE, Wasmália Bivar, ressalta que a lista de bens é um dos indicadores de distribuição de renda, já que há domicílios que não vivem da renda do trabalho mas podem ter outros tipos de rendimento.
Ela questiona a inclusão posterior de perguntas sobre nupcialidade que os técnicos do IBGE já haviam concordado em retirar, embora a questão da emigração tenha ficado de fora do questionário básico.
O questionário será testado no Censo Experimental, que será realizado no município de Poços de Caldas (MG) entre setembro e novembro. A aplicação oficial, para todos os 5.570 municípios do país, ocorrerá entre agosto e outubro de 2020.
A direção do IBGE alega que parte das informações pode ser coletada em pesquisas por amostragem ou por registros administrativos –como da Polícia Federal. A presidente do instituto diz ainda que pretende lançar mão de novas formas de coleta de informações, como a internet, por exemplo.
“Essas alterações bruscas, realizadas já após as duas provas piloto do questionário, trazem risco à qualidade da operação censitário como um todo”, afirma a Assibge. Divergências com a direção do órgão levaram cinco gestores do instituto a pedir exoneração em junho.
As exonerações foram anunciadas em meio a evento para lançar campanha contra os cortes Todos pelo Censo, que reuniu três ex-presidentes do IBGE. Apesar da pressão, Guerra disse em entrevista na época que o tamanho do questionário era “página virada”.
Fonte: Folha.com