Em cinco anos, o Bolsa Família —programa de transferência de renda criado em 2003 e que se consolidou como importante ferramenta de combate à extrema pobreza e à desigualdade— sofreu com desajustes e excluiu milhares de beneficiários.
Os reflexos desses cortes foram constatados por um estudo da Fundação Getúlio Vargas, divulgado nesta semana, que aponta a queda na renda dos brasileiros mais pobres como principal consequência.
Entre 2014 e 2018, a renda dos 5% mais pobres no Brasil caiu 39%. Nesse mesmo período, o país registrou um aumento de 67% na população que vive na extrema pobreza. A FGV utilizou como base a linha mais baixa de pobreza das metas do milênio da ONU (Organização das Nações Unidas), que corresponde a U$S 1,25 (cerca de R$ 5,45) per capita por dia.
A pesquisa também utilizou microdados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) e da Pnad Contínua, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), para concluir que, desde 2014, quando o país atingiu o menor percentual de extrema pobreza nos últimos 15 anos, este valor passou a subir e não houve arrefecimento. Em 2018, por exemplo, o país retornou à mesma estaca de 2008.
“Vimos que existe um desajuste na base de distribuição do programa. De 2016 em diante, a gente vê que houve até uma melhora na focalização, mas houve uma redução no tamanho do programa quando a economia estava em recessão”, diz ao UOL o diretor do centro de políticas sociais da FGV, Marcelo Neri.
O período analisado pela FGV converge ainda com o de menor número de beneficiários do Bolsa Família. Em julho de 2017, 12,7 milhões de famílias foram atendidas pelo programa, menor índice dos últimos oito anos.
O ano de 2019 não foi considerado pela pesquisa, mas registrou o segundo menor número de beneficiários neste mesmo período de 8 anos: 13,1 milhões de famílias em novembro, segundo dados do Ministério da Cidadania. Em dezembro, o número foi o mesmo. Em janeiro, o índice subiu para 13,2 milhões de famílias atendidas, com benefício médio de R$ 191.
Criado em 2003, o programa atende famílias com filhos de até 17 anos em condições de pobreza (renda entre R$ 89,01 e R$ 178) e extrema pobreza (renda até R$ 89).
A ONU já afirmou, por meio do Relatório sobre Erradicação da Pobreza, que o programa é um “bom exemplo de política pública na área de assistência social”. “Com cerca de 0,5% do seu PIB (Produto Interno Bruto), países podem adotar políticas similares ao Bolsa Família”, diz o documento elaborado pelo então secretário-geral Ban Ki-moon para o para o Conselho Econômico Social (Ecosoc) em 2011.
Orçamento cai, fila volta
Em 2017, sob Michel Temer (MDB), o governo federal afirmou que “zerou a fila” de espera do Bolsa Família por seis vezes naquele ano.
Em outubro passado, reportagem da Folha revelou que, após dois anos, o programa voltou a acumular fila de espera. A informação foi repassada pelo então ministro Osmar Terra (Cidadania, pasta hoje ocupada por Onyx Lorenzoni). A fila se forma quando as respostas, por parte do programa, demoram mais de 45 dias.
A pasta já informou, em mais de uma oportunidade, que o acúmulo está ligado aos cortes no orçamento. A FGV aponta que, em 2019, foram desligadas 900 mil pessoas do programa, “acarretando no surgimento de uma fila média anual de 500 mil pessoas que deveriam estar sendo atendidas, mas ainda estão esperando para serem cobertas pelo Bolsa Família”.
O orçamento do programa encolheu em 2020. São R$ 3 bilhões a menos. Neste ano, R$ 29,5 bilhões serão dedicados ao programa, enquanto no ano passado foram R$ 32,5 bilhões investidos. Segundo a FGV, “para cada R$ 1 gasto com o Bolsa Família são gerados R$ 1,78 para a economia brasileira”.
“Até desconfio, não tenho certeza, de que essa fila esteja associada ao 13º salário concedido pelo governo [o benefício foi estipulado por Jair Bolsonaro em outubro passado, somente para o ano de 2019]. Então você fechou uma porta de entrada do programa e criou essa fila, e eu não vejo que seja uma troca razoável. Além de prejudicar os pobres, você também atrapalha a economia, porque o Bolsa Família tem um efeito multiplicador”, explica Neri.
O Congresso debate agora a possibilidade de tornar permanente a medida adotada em 2019. A comissão mista da Medida Provisória 898, que estabelece o 13º salário para beneficiários do Bolsa Família e o estende para quem recebe o Benefício de Prestação Continuada (BPC), manteve suspensa a sessão de ontem e convocou nova reunião para hoje.
Depois de ser aprovada pela comissão, a MP ainda precisa passar pelos plenários da Câmara e do Senado até 24 de março, caso contrário perderá a validade. Oposição e governo tentam chegar a um acordo sobre o texto, que é relatado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede).
Fonte: UOL