Após uma audiência privada de quase uma hora nesta quinta-feira com o Papa Francisco, no Vaticano, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o argentino é um personagem “inspirador” e disse ter ficado muito “satisfeito” em conhecê-lo. O petista também disse que não tratou sobre o presidente Jair Bolsonaro e a gestão dele no Brasil durante a conversa com o pontifíce.
O encontro entre o brasileiro e o líder religioso argentino, o primeiro entre eles, aconteceu na casa de hóspedes Santa Marta, onde mora o papa, dentro do Vaticano, e foi intermediado pelo presidente da Argentina, Alberto Fernández, que visitou o conterrâneo em Roma no ultimo dia 31.
Lula chegou ao Vaticano acompanhando por uma pequena comitiva na qual estavam o ex-ministro Celso Amorim (que comandou o Itamaraty nos seus oito anos de governo) e seu fotógrafo oficial, Ricardo Stuckert, que registrou o encontro. A audiência foi tratada com discrição pelo Vaticano, que não a incluiu nos eventos oficiais de Francisco.
O ex-presidente afirmou ter conversado com o papa sobre o combate à pobreza, o desenvolvimento econômico voltado aos pobres e a defesa do meio ambiente. Lula disse ter lido o documento final do pontífice sobre o Sínodo da Amazônia, divulgado ontem, mas que eles não falaram especificamente sobre a floresta. Indagado se o governo de Jair Bolsonaro foi tratado na conversa, Lula limitou-se a dizer:
— Não podia vir aqui para discutir Bolsonaro — afirmou Lula em uma rápida conversa com jornalistas, na noite desta quinta, na sede da Confederação Geral dos Trabalhadores Italianos, uma espécie de CUT local, onde participou de um debate.
Lula e sua assessoria se recusaram a informar se o chamado “lawfare” (prática de manipulação do sistema jurídico para fins políticos) esteve entre os temas do encontro. Francisco recebeu em dezembro de 2018 de Chico Buarque e da namorada, a advogada Carol Proner, um dossiê sobre o tema relacionando-o à condenação do ex-presidente.
— A minha vinda teve o objetivo principal de discutir com o papa a questão da desigualdade e de sua luta em defesa de uma boa política ambiental. Todo mundo sabe que os trabalhadores estão perdendo direitos, as conquistas que tivemos no século XX estão sendo derrubadas pela ganância dos interesses empresarias e financeiros. E estamos percebendo que há uma má vontade dos governantes, apesar dos discursos, de se preocuparem com a questão ambiental — afirmou.
Elogios ao líder religioso
Durante a entrevista que sucedeu o encontro, Lula fez observações positivas sobre Francisco:
— Se todo ser humano, ao atingir 84 anos (Jorge Mario Bergoglio fez 83 em dezembro), tiver a força, a disposição e a garra que ele tem em levantar temas instigantes para o debate, podemos encontrar soluções mais fáceis — disse o ex-presidente, que completou: — Uma frase muito alentadora que ouvi do papa é que ele quer fazer coisas que sejam irreversíveis, que fiquem para sempre no seio da sociedade.
Lula também exaltou um evento que o Vaticano vai organizar no final do próximo mês na cidade italiana de Assis (intitulado “Economy of Francesco”, a Economia de Francisco) para discutir com 500 jovens de todo o mundo um pacto para mudar a economia mundial.
— Quando Francisco toma a atitude de fazer um encontro para discutir a igualdade, chamando jovens para debater a nova economia, é uma decisão alentadora, que toca num assunto essencial para o futuro dos trabalhadores. Quem é que vai oferecer trabalho e oportunidades para as pessoas pobres? — perguntou.
Ao participar do evento na central sindical romana, Lula contou ter se inspirado no início de sua carreira de sindicalista no modelo do país, onde disse ter aprendido que “sindicato não é um órgão de colaboração, mas de contestação”.
O ex-presidente afirmou que retorna ao Brasil na manhã de sexta-feira, ressaltando que espera voltar para casa com a mesma disposição do papa para brigar por um mundo melhor. Antes, sua assessoria confirmou que ele ficaria mais um dia em Roma cumprindo uma “agenda pessoal”.
Esta é a primeira viagem internacional do petista desde que ele deixou a prisão, em novembro. Além do papa Francisco, ele se reuniu com lideranças da esquerda italiana, de sindicatos e de organismos de direitos humanos.
O ex-presidente também conheceu brasileiros residentes na Itália que integram o Comitê Lula Livre, criado para apoiá-lo após sua prisão por causa da Lava Jato, em abril de 2018.
Fonte: O Globo