Nesta semana, vídeos em que crianças e adolescentes aparecem derrubando uns aos outros no chão dentro de escolas começaram a circular nas redes sociais e preocupar pais e mães durante a volta às aulas.
Nos vídeos, três pessoas ficam lado a lado. Enquanto a do meio (desavisada) salta, os outros dois dão uma rasteira, causando sua queda. Em um desses registros, que circula entre grupos de WhatsApp, dois adolescentes aparecem dando uma rasteira em um terceiro, que cai e bate violentamente com a cabeça no chão.
“Perante o vídeo que circula na mídia, no qual em um suposto desafio, um adolescente é vítima de uma situação agressiva de grande risco, os diretores da escola e a família foram atendidos pelo sistema de proteção de crianças, e adolescentes de Chachao e o vídeo foi encaminhado ao Ministério Público para investigação e respectiva determinação da comissão de fato punível por se tratar de um ataque à integridade pessoal e exposição pública indevida. Estamos acompanhando o caso para assegurar a devida proteção do adolescente e dar assistência ao colégio para as providências que decidirem tomar para enfrentar o impacto pela divulgação do vídeo”.
Vídeos gravados no Brasil
Em outro vídeo chocante, aparentemente gravado no Brasil, um homem fica desacordado após ser derrubado. Na brincadeira chamada “roleta humana”, que envolve três pessoas – uma delas é girada para trás pelos outros colegas.
Em novembro do ano passado, uma adolescente de 16 anos morreu em Mossoró, no Rio Grande do Norte, depois de bater a cabeça enquanto participava da brincadeira. A estudante Emanuela Medeiros sofreu traumatismo craniano ao cair após fazer a brincadeira na Escola Municipal Antônio Fagundes. A garota foi socorrida pela direção da instituição e levada ao hospital, mas não resistiu.
Em um dos vídeos que circulam nas redes sociais, três alunas fazem a brincadeira da roleta humana. As meninas são estudantes do Colégio Marista de Natal.
A Pais&Filhos entrou em contato com o colégio, que comunicou em nota que está desenvolvendo um trabalho de conscientização sobre os riscos da brincadeira:
“Os Colégios que integram o Marista Centro-Norte, uma das três unidades administrativas do Marista no Brasil, iniciaram nesta semana um trabalho de conscientização em sua comunidade acadêmica sobre os riscos da atitude perigosa considerada uma ‘brincadeira’ por alguns jovens e que vem sendo praticada e divulgada na web. Por meio de suas equipes pedagógicas, a Instituição tem promovido reflexões com os alunos, durante o período de aulas, sobre as consequências da atitude, que coloca em risco a integridade física dos seus participantes. Além das medidas preventivas, a Instituição reitera estar atenta aos movimentos em sua comunidade e em relação ao vídeo com os alunos de Natal, informa que todos já foram orientados com suas respectivas famílias”.
Não deixe o pânico tomar conta da sua família
Segundo Roberta Bento, especialista em educação e neurociência cognitiva, fundadora do SOS Educação e mãe de Taís, o maior desafio para os pais e as escolas é o de combater sem ajudar a divulgar ainda mais conteúdos como esses. “Não compartilhar o vídeo é o caminho ideal, evitando que ele se torne um sucesso em número de visualizações. É importante que os pais sejam firmes ao alertar os filhos sobre o assunto. Considerando que os filhos são capazes de entender que haverá consequências em casa se participarem ou compartilharem a brincadeira. Fazer uso do papel de responsável é essencial porque não podemos contar com o raciocínio lógico por parte dos filhos. O adolescente tem enorme atração pelo risco, pela aventura. Quanto mais você explica sobre os riscos, mais atraente a brincadeira se torna. Fale sobre isso, mas seja firme em dizer que não aprova e não vai tolerar que seu filho participe ou divulgue a brincadeira. Ele vai ter real noção do perigo somente mais tarde, quando amadurecer. É como uma criança de 2 anos que não entende o perigo de um forno quente. Só explicar é pouco, precisamos manter a atenção para evitar que se queime”, aconselha a especialista.
Já entre as escolas, a especialista defende que o melhor caminho é a orientação. “É importante envolver os alunos em projetos, trabalhos, oportunidades de serem protagonistas em ações contrárias ao que está sendo divulgado. Os alunos amam se colocar, produzir desenhos, vídeos, áudios, trabalhos que expliquem os perigos, os riscos, alternativas para ocupar o tempo. Um aluno vai ouvir outros colegas de forma muito mais atenta do que ouviriam os adultos”, explica Roberta.
“O ideal é que as escolas trabalhem de forma preventiva, para evitar que brincadeiras arriscadas como essa aconteçam. Sabemos que outros episódios de brincadeiras violentas já foram presenciados antes nas escolas, por isso esse trabalho de prevenção precisa ser contínuo. É preciso trabalhar a autocrítica com os estudantes, o respeito por si e pelo outro e sempre retomar o assunto. Em um momento em que a situação já está instalada, é importante chamar os envolvidos na brincadeira, as suas famílias e alertar todos os outros sobre os riscos. Um sistema de alerta e a parceria entre família e escola nesse momento é fundamental”, defende Camila Cury, psicóloga e especialista na Teoria da Inteligência Multifocal, filha de Augusto Cury e mãe de Alice e Augusto.
O perigo dessas brincadeiras
Para Roberta Bento, os riscos de brincadeiras como essa vão além dos físicos. “Além dos riscos reais de saírem fisicamente feridos, há também o perigo das feridas emocionais que não são facilmente identificadas. Os jovens que se transformam nas vítimas da brincadeira podem sofrer bullying ou ter baixa autoestima. Com receio de uma reação explosiva dos pais, escondem a situação que estão vivendo. As consequências vêm no desempenho escolar e muitas vezes nos relacionamentos dentro de casa e ao longo da vida”, explica.
A especialista reforça que as redes sociais em si têm um grande peso para que brincadeiras como essa viralizem entre crianças e adolescentes, além de causarem uma relação entre aceitação e autoestima. “As redes sociais têm para nossas crianças um impacto semelhante ao que nossa vizinhança ou grupo de amigos tinha para nós no passado. As crianças e adolescentes sentem uma forte conexão com aqueles que veem nas postagens. E os números importam muito. Ter muitos views é a medida que usam para o sucesso. Viralizar nas redes sociais é um sonho para muitos deles. Para outros, seguir e se inspirar naqueles que viralizam é sentir-se parte da turma dos mais populares”, defende.
“Muitas vezes esses jovens participam de brincadeiras como essa para se sentirem aceitos no grupo, ou seja, mesmo com medo participam apenas para uma autoafirmação e um reconhecimento. É uma fase em que vivem o antagonismo, sentem a necessidade de medir força com colegas e acabam se sujeitando a situações que podem fazer mal. Existe ainda o lado de quem não aceita participar e também acaba sofrendo bullying, tomado como medroso e excluído do grupo. Nas duas situações, a brincadeira apresenta riscos que podem gerar sequelas para a vida toda”, complementa Camila.
O que fazer quando isso acontece
Nessas brincadeiras, a criança pode bater a cabeça, a coluna, o braço, então tem uma série de riscos. O neurocirurgião Dr. Cezar Augusto Alves de Oliveira completa: “Quando a queda afeta a parte de trás da cabeça, na região occipital, pode ocorrer tanto uma lesão craniana quanto uma lesão da coluna cervical. Quanto mais alto o adolescente, maior o perigo, pois será maior a queda”. Nos casos mais sérios, pode haver um traumatismo craniano que pode levar a sequelas e até morte.
Caso o seu filho tenha participado, o médico alerta: “É importante procurar o serviço de saúde e explicar o que aconteceu, para afastar os perigos de lesões internas”. De acordo com o especialista, o melhor caminho é sempre a orientação, através da proximidade e exemplo. Dessa forma, é maior a chance dos pais serem ouvidos e das crianças se sentirem à vontade para abordar esses assuntos.
Fonte: Pais e Filhos