Escrever sobre algum lugar serve para alguma coisa? Qual a dimensão política da escrita? O que o texto é capaz de construir na relação com o lugar? A partir destas inquietações vou tentar responder a partir da pratica política desenvolvida pelo Coletivo Camaradas, na comunidade do Gesso, na cidade do Crato-CE, localizada entre os bairros Centro, Pinto Madeira, São Miguel e Santa Luzia, o que constitui o que denominamos de Território Criativo do Gesso.
Existem formas e conteúdos variados que possibilitam contar histórias diferentes do mesmo lugar, aí nasce, a primeira decisão política, de como contar e sobre o que contar do lugar. Escrever sobre o lugar é criar, potencializar e desconstruir narrativas.
Na comunidade do Gesso, o Coletivo Camaradas optou em construir uma narrativa de lugar, a partir da potência criativa gerada pelas narrativas já existentes e atuação dos sujeitos e organizações que atuam no contexto do Território Criativo do Gesso.
Essa opção não é por acaso, mas parte do estudo sobre o processo de ocupação e estratificação social e urbana da comunidade e isso aponta para um contexto histórico de estigmatização e vulnerabilidade social que repercute para uma narrativa de desesperança, vitimização, criminalização e preconceito.
Portanto, é uma opção de construção de narrativa que se contrapõe a negatividade construída pela oralidade e a escrita e que apresenta a inventabilidade, cultura, arte, literatura e o desejo de justiça social como aporte para elevação da autoestima e da utopia.
É uma narrativa que visa criar relações de identidade e pertencimento, a partir de aspectos positivos. Hegemonicamente, as pessoas querem ser assemelhadas as experiências positivas e as pessoas com históricos exemplares.
Escrever sobre o lugar nesta perspectiva serve para atrair olhares e descontruir estigmas. Tornar espaço de trânsito humano e de diálogos desguetizados. A escrita favorece a entrada de corpos estranhos no lugar, o que cria possibilidades de ampliar o repertório de palavras e a visão social de mundo.
Quando se escreve sobre o lugar é uma forma também de favorecer pontes para o desenvolvimento econômico e social, por entrelaçar sujeitos e organizações. É uma forma de potencializar o turismo e a cultura de base comunitária.
A escrita do lugar é um instrumento para dar visibilidade, voz e potência às demandas comunitárias, projetar personagens locais como sujeitos de transformação do seu lugar.
Quando se escreve sobre o lugar e tem como foco a construção de uma narrativa da esperança se cria também um imaginário de organização política popular promissora que inspira outras experiências.
Relacionar o lugar ao território é uma tentativa de escrever sobre integração e conexão, de aproximar a micro da macro política e de evidenciar que o isolamento é uma forma de fortalecer a exclusão e o anonimato.
Escrever é também trazer para dentro do lugar e do território o universo acadêmico e o seu tripé fundamente de ensino, pesquisa e extensão e a sua viabilidade de contribuir para redesenhar a paisagem social e intelectual.
Narrativa de lugar, só se constrói com produção de conteúdo de forma permanente, não pode ser esporadicamente. Escrever (gerar conteúdos) se utilizando das novas tecnologias da comunicação de massa e das formas tradicionais de comunicar é essencial num tempo em que a informação é instantânea, veloz, descontrolável e descartável. Escrever para comunicar interna e externamente deve se tornar uma trivialidade para luta política de resistência e emancipação humana.
Por Alexandre Lucas. Pedagogo, integrante do Coletivo Camaradas e presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais do Crato/CE
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri