Eram os tempos em que pobre ainda não viajava de avião. E Rosa Dandim já era veterana de viagens de busão às terras paulistas. Os filhos já estavam por lá desde a década de setenta, atravessaram os anos de chumbo na ilusão de que o trabalho dignifica o homem, então, meteram a cara e não viram, nem muito menos sentiram as atrocidades da ditadura em seus lombos. Anualmente dona Rosa, que morava na cidade do Crato, ia visitá-los. Inicialmente viajava na Viação Varzealegrense, depois na Viação Itapemirim e por fim fez suas últimas viagens nesse transporte pela Viação Gontijo. Diz ela que sempre que passava naquelas cidadezinhas de Minas, as pessoas que moravam às margens da estrada já acostumadas com aquela senhora, davam com a mão acenando lhe e gritando uns aos outros: — Lá vai dona Rosa!
Foi a partir de 2002, quando um metalúrgico nascido no interior do Nordeste, mais especificamente no Sertão do Pernambuco, que emigrou a São Paulo e se tornou sindicalista e depois político, teimou quatro vezes, até se tornar-se presidente, e chegando ao Planalto Central ousou achar que pobre também merecia viajar de avião e assim as viagens desta nossa heroína que até então eram pelo chão, passaram a ser aéreas. Das rodovias que ao longo de quarenta anos dona Rosa viajara ficaram apenas os rastros na memória dela, que nem rastro de cutia na vareda de ameixa boa.
Foram tantas as viagens que Dona Rosa Dandim se vangloriava: “São tantas idas e vindas aqui a São Paulo que se emendasse daria pra ir a lua e voltar!”. Dizia ela aos mais jovens em prosas de reuniões com amigos também nordestinos nos fins de semana. Um feito somente comparável ao de Amir Klink ou Marco Polo. Mas que vantagens traria um currículo como o de Rosa Dandim? Não se trata de grande vantagem, se bem que viajar seja muito bom. Mas dona Rosa não dava murro em ponta de faca e faria uso desta sua qualidade em outras situações que não apenas se gabar para os netos, filhos e amigos.
Certa feita, chegando dona Rosa à famosa Rodoviária do Tietê, em São Paulo, para encontrar uma parenta que viera do Ceará pela primeira vez, deparou-se com uma situação chata. A rodoviária estava lotada na ocasião, e os seguranças faziam o isolamento de um setor da rodoviária. Naquele espaço ninguém além dos passageiros em desembarque poderia estar. Dona Rosa, teimosa que nem te conto, puxando um sobrinho pelo braço, achou de adentar o espaço isolado. O segurança correu e atalhou, replicou que eles não poderiam estar naquele espaço, de início, educadamente, mas na teimosia de dona Rosa, replicou com mais firmeza, beirava a truculência. Dona Rosa diante daquela atitude do moço da segurança fez-lhe a fatal indagação: “Você sabe com está falando?” e antes que o moço respondesse alguma coisa, ela emendou: “Eu ando nesta rodoviária desde os anos sessenta, você nem nascido era, rapaz. Sou do Ceará e já fiz tantas viagens pr’aqui que até perdi as contas”.
E seguiu: “Comecei na antiga Viação Varzealegrense que nem existe mais, depois na Itapemirim, que nem existe mais, e findei nessa Gontijo, que nem sei mais se existe porque agora só viajo de avião.” E continuou: “Se você juntar a distância de todas as viagens que fiz do Ceará até aqui, moço, você vai e volta da lua umas dez vezes. Exagerou certamente com o intuito de desestabilizar o oponente. E deu certo, o homem ao ouvir aquela história, saiu do meio e falou: Pode ir, seu sobrinho espera aqui, mas veja se a moça já chegou e volte logo.
Foi a primeira vez na história da humanidade que uma pessoa deu uma carteirada apenas porque viajou muito a São Paulo.
Por Francinaldo Dias. Professor, cronista, flamenguista, contador de “causos” e poeta
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