Isso se iniciou no tempo de antigamente, quando dinheiro de pobre era reis, e o do rico, tostão. A história é de vera, não é nada inventado, mas como quem conta um conto aumenta um ponto, esse seu narrador pede licença pra, não digo aumentar, mas colocar uns pingos a mais nos “is”. A Aldeia era incipiente ainda e nada famigerada, seus moradores advindos de outros sertões que não este cá. Fugiam da seca, havia promessa de que aquela cidade alcançaria níveis de urbanização e civilização de seu povo em larga e longa medida, inclusive ganhando a fama de terra da cultura.
Aquela aldeia era um nada, diante da magnitude daquela vila que virou cidade. Seus moradores foram se arranchando à moda Canudos, esperançosos, fervorosos. Era num morro, num alto, bem alto, mas não tão alto de um dia prometerem um elevador tipo o Lacerda lá da Bahia. De primeiro, a rua principal era caminho do gado, e as casinhas ladeando. Construíram uma capela, já que ninguém vai para frente sem Deus, e muito menos sem Nossa Senhora que é advogada do povo pobre, segundo Ariano, e acabou a santa por virar padroeira do lugar, e deu nome à primeira capela construída pelo povo, mas cem anos depois a Diocese disse que não e mandou mudar para outra santinha simpática que só, mas que anda é longe da mãe de Fátima, que tem o manto e pisa na cabeça da serpente.
O povo daquela Vila se acostumou à indiferença das administrações ao longo do tempo, só lembravam dela nos tempos de eleição. Ai vinham, prometiam, levavam os votos e não cumpriam. De quatro em quatro anos era sempre a mesma coisa, dizem que até hoje, mas acho que não. Ou será?
Quando a cidade atingiu status quo de princesa, a vila ganhou de presente o lixão. Uma ameaça à saúde de todos, ganha pão de uns pais de família que foram precursores no ramo da reciclagem. Quase todo cabinha juntava alumínio e cobre e ia vender lá em Lourdinha. Havia de tudo no lixão: roupas velhas, comida vencida, calçados velhos, pó de borracha que se usava para marcar o campo do Mosqueirão. Embora ameaça, o lixão era tão evidente que deu nome ao rio da aldeia, “Rio do Lixo”. Aliás, o rio de nossa aldeia tinha outros nomes, da ponte, mais embaixo, “Cu do Boi”, mais em cima, “Cafundó”, em ribão. Tudo era o mesmo rio, e foi cantado pelo poeta em certa poesia. Nele pescávamos, tomávamos banho escondido dos pais, caçávamos passarinhos no tempos em que não se falava em crime ambiental. Vale dizer que crime ambiental muito maior, houve com a retirada das pedras de seu leito, aumentou a erosão e a água rareou. Agora a água corre invisível aos olhos da gente, mas corre no subsolo, na nossa memória afetiva.
Já o lixão, foi retirado na década de 90. A gente reuniu o povo sob a liderança do presidente do bairro, viramos bairro, e interditamos a principal rua, não sobe nenhum carro. A polícia veio, os políticos vieram, até o governador veio. Resultado: retiraram o lixão. Foi a maior vitória que a comunidade já teve.
Há uma máxima que percorre o tempo de nossa comunidade, os mais velhos dizem, e viveram; os mais novos repetem e vivem-na: a gente briga entre a gente, mas se alguém precisar, a gente se une. E isso dá pra ver em tudo que é evento, festa da padroeira e coroação; festa das mães; tragédias com um morador, não importa.
Historicamente nos destacamos no futebol, temos o mais antigo e vencedor time de futebol amador em atividade, o “Vasco Cratense”, atual campeão do Cariri e seis vezes campeão cratense, temos o “EC Mastruz com Leite”, bicampeão cratense e campeão do Cariri na primeira década deste século. No carnaval, saudoso de nossa cidade, éramos fortes, com a GRES Operários do Samba, tantas vezes campeões do carnaval. E o nome da agremiação, tão simbólico, Operários, não há coisa mais linda que o hino identidade dessa escola. Os “São Joãos” eram marcantes com a quadrilha Nossa Senhora de Fátima, as belas apresentações nos festivais da cidade, do Cariri, do Estado. Tudo isso é parte da história de nossa aldeia, desse bairro, dessa comunidade, desse mundo, para quem ama, o Alto da penha é o mundo.
Por Francinaldo Dias. Professor, cronista, flamenguista, contador de “causos” e poeta
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri










