O virtuoso baterista Neil Peart, do Rush, morreu no último dia 7 de janeiro aos 67 anos em Santa Mônica, nos Estados Unidos. A informação foi confirmada hoje por um representante da banda à revista Rolling Stone. A causa da morte foi câncer cerebral, que ele vinha lutando há anos, informou um porta-voz da família do músico.
A banda divulgou via Twitter um comunicado: “É com coração quebrado e uma tristeza profunda que devemos anunciar a terrível notícia de que nosso amigo, nosso irmão de alma e de banda por 45 anos, Neil, perdeu sua incrível batalha de três anos e meio contra um câncer cerebral (glioblastoma)”.
“Pedimos que nossos amigos, fãs e mídia entendam e respeitem que a família [de Peart] precisa de privacidade e paz neste momento extremamente doloroso e difícil. Aqueles que querem prestar suas condolências possam escolher um grupo de pesquisa de câncer ou caridade para fazer uma doação em nome de Neil. Descanse em paz, irmão”.
Peart sempre foi considerado um dos maiores bateristas da história do rock, juntando-se ao vocalista e baixista Geddy Lee e ao guitarrista Alex Lifeson para ser um integrante do Rush em 1974. Com a sua ajuda, o trio canadense virou uma das bandas fundamentais do rock clássico, flertando com o rock progressivo, o hard rock e até a new wave.
Nascido em Ontário, no Canadá, em 1952, o músico teve entre suas influências Keith Moon (The Who), John Bonham (Led Zeppelin) e Bill Bruford (King Crimson, Yes, Earthworks). O talento de Peart também teve seu caminho no jazz e nas percussões latinas e africanas.
A última vinda da banda ao Brasil foi em 2011, na turnê Time Machine, que passou por São Paulo e Rio Janeiro. O grupo encerrou sua última turnê em 2015. Peart tinha afirmado na época que desejava se afastar dos palcos para ficar mais tempo com a sua esposa, Carrie Nuttal, e sua filha, Olivia.
Um dos maiores
Peart entrou no Rush no lugar do baterista John Rutsey e logo tomou a posição como principal compositor no álbum Fly By Night (1975). A virtuosidade do baterista ficou evidente já na primeira faixa, Anthem, um petardo que casou com a voz estridente de Lee e a guitarra feroz de Lifeson.
Ainda assim, tanto o projeto quanto seu sucessor, Caress of Steel (1975), não foram grandes sucessos pela crítica especializada e nem de público. O que mudou com o conceitual 2112 (1976), uma escolha arriscada na época para uma banda que estava quebrada e precisava de sucessos.
O disco cujo faixa principal tinha mais de 20 minutos falava sobre ficção científica e uma guerra de dimensões galácticas no fatídico ano de 2112, tudo imaginada pelo baterista. O sucesso foi estrondoso e marcou o Rush como um dos grandes nomes do rock progressivo.
No final dos anos 70, Peart já era considerado um mestre na bateria, seja pela técnica apurada, senso rítmico único e muita criatividade. O auge da banda chegou em Moving Pictures (1980), que apresentou os hits Red Barchetta, YYZ, Limelight e o hino Tom Sawyer.
O Rush ainda aproveitou a década de 80 — em Signals (1982), Grace Under Pressure (1984) e Hold Your Fire (1987)— para se arriscar no rock eletrônico e na new wave, sem deixar de lado as composições mais longas e experimentais.
A volta ao rock mais pesado foi em Presto (1989), elogiado pela crítica e que ditou a sonoridade que o Rush seguiria até o final de suas atividades. O último disco de estúdio foi o ótimo Clockwork Angels (2012), cuja turnê passou pelo Brasil.
Em terras tupiniquins o grupo ainda lançou um dos melhores registros ao vivo da carreira, o DVD duplo Rush in Rio, gravado no estádio no Maracanã em 2003.
Perdas na vida pessoal
No livro A Estrada da Cura, Peart contou em mais de 500 páginas como afundou, percorreu e depois emergiu do abismo de lágrimas que se tornou sua vida na segunda metade dos anos 90.
Em menos de um ano, Peart perdeu a filha Selena, então com 19 anos, num trágico acidente de carro no Canadá. Dez meses depois, perderia também a amada mulher, Jackie, com quem estava casado havia 20 anos.
Após a morte da esposa, Peart abandonou o Rush. “Considerem-me aposentado”, disse aos amigos de banda no dia do funeral de Jackie. Então o baterista montou sua moto BMW R1100GS e saiu sem destino.
O músico percorreu mais de 80 mil quilômetros durante meses a esmo. Ele viajou sem parar por quatro países, atravessou 15 Estados norte-americanos, 17 Estados mexicanos, foi até o Belize, voltou para sua casa no Quebéc, saiu novamente em peregrinação e durante essa saga pagou todos os “pedágios” obrigatórios a quem sofreu tamanha tragédia: choque, descrença, ódio, barganha e aceitação.
Aposentadoria com o Rush
O baterista, que teve papel chave nas composições do Rush, indicou com letras bem claras em 2015 que estava na hora de pendurar as baquetas. A decisão teria relação com as dores que o desgastavam, fruto de artrite e tendinite crônica.
“Minha filha Olivia me apresenta aos amigos da escola dele como ‘um baterista aposentado.’ Isso é verdade. E não me dói perceber isso, é como todos os atletas, há um momento no qual você sai do jogo”, disse ele.
De acordo com a revista Rolling Stone, a última turnê do trio sequer deveria ter saído do papel, se a decisão final tivesse sido de Peart. De certa forma, ele acabou sendo pressionado por Alex Lifeson, que começava a sofrer de artrite, mas que pediu a chance de ir para a estrada com o Rush por uma última vez.
“Eu percebi em um contexto meio solidário que não queria ser o cara a desligar as máquinas. Eu deixei uma janela aberta que se alguém quisesse tocar, eu o faria”, disse Peart. “E Alex deu essa cartada. Eu tive um ataque naquela noite, mas no dia seguinte falei: ‘tudo bem, vamos lidar com isso’.”
A R40 teve 35 datas na América do Norte e os empresários até tentaram prolongar a turnê, o que foi barrado pelos músicos. Peart sofreu no meio da jornada um problema sério no pé. Ele ia de show a show viajando de moto e, após tomar uma chuva torrencial, pegou fungos que causaram uma infecção grave.
Após 40 anos, o Rush deu adeus sem saber, ali no palco, e com Peart num lugar inédito, na frente do palco, garantindo um fim inesquecível. “Eu nunca tinha cruzado a linha de bateria. Eu fico atrás dela e nunca vou à frente, porque não é meu território. Mas eu me convenci a ir lá. Era a coisa certa a se fazer.”
Fonte: UOL