Amor próprio é um daqueles conceitos que todo mundo ouve, repete, posta em rede social e acredita ter entendido — mas, na prática, poucos de fato praticam. Ele não tem nada a ver com se achar bonito no espelho num dia bom, nem com comprar algo caro como recompensa. Está muito mais ligado ao que você tolera, ao que você aceita e, principalmente, ao que você acredita merecer.
A psicologia mostra que a forma como nos tratamos costuma refletir a forma como fomos tratados na infância. Se crescemos ouvindo que éramos bons o bastante, criamos raízes mais fortes. Mas se fomos constantemente criticados, ignorados ou diminuídos, é comum passarmos a vida tentando “merecer” afeto. E aí o amor próprio vira um projeto inacabado, sempre adiado por um “quando eu emagrecer”, “quando eu for promovido”, “quando alguém me amar”.
Amar a si mesmo exige um certo trabalho de escavação. Não é só se valorizar superficialmente, mas entender de onde vêm seus padrões de comportamento, seus medos, suas inseguranças. É ter coragem de olhar para dentro com honestidade e reconhecer que muito do que você chama de “jeito meu” talvez seja só medo de não ser aceito.
A armadilha é que a gente confunde autocrítica com autoaperfeiçoamento. Mas uma pessoa que se julga o tempo todo não melhora — ela apenas se paralisa. Autoconhecimento é importante, sim, mas sem brutalidade. Um diálogo interno saudável é aquele que corrige sem ferir, que acolhe sem passar a mão na cabeça, que exige sem desrespeitar.
Outro ponto que a psicologia aponta: quem não se ama costuma ter dificuldade em impor limites. Fica em relações que machucam, aceita trabalhos que sugam, se culpa por dizer “não”. Parece contraintuitivo, mas amar a si mesmo muitas vezes significa frustrar os outros. E tudo bem. É impossível agradar todo mundo sem se desagradar pelo caminho.
Amor próprio também tem a ver com consistência. Não adianta se tratar bem numa segunda-feira e se abandonar na terça. A relação que você tem consigo mesmo precisa ser cultivada com frequência, como qualquer relacionamento. Você cuida de um amigo ligando, escutando, estando presente. Por que consigo seria diferente?
Não é sobre se sentir feliz o tempo todo, nem sobre autoestima inflada. É sobre se respeitar nos dias bons e ruins. É sobre ter compaixão quando erra, ter paciência quando falha, e saber que não precisa ser perfeito para ser digno de cuidado. Amor próprio é isso: um compromisso silencioso de não se abandonar.
E talvez o mais importante: amor próprio não é ponto de chegada, é prática constante. Às vezes, ele vacila, e tudo bem. A chave é perceber o momento da queda e se lembrar de voltar. Com firmeza, com respeito e, principalmente, com gentileza.
Por Mirta Lourenço. Médica, professora, cronista e poetisa
*Este artigo é de inteira responsabilidade da autora, e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri










