O governo do presidente Jair Bolsonaro incluiu uma nova frente nas políticas adotadas para prevenção da gravidez precoce e sexo seguro entre adolescentes: a abstinência sexual. Os ministérios da Mulher, Família e Direitos Humanos (MDH) e da Saúde elaboraram políticas para estimular jovens a deixarem de fazer sexo, uma iniciativa considerada controversa e ineficaz por estudiosos do assunto.
O MDH, liderado pela ministra Damares Alves, passou a preparar eventos públicos para promover a abstinência sexual, sob o pretexto de discutir iniciativas voltadas à prevenção da gravidez na adolescência. Em um evento sobre gravidez precoce realizado em dezembro em um auditório da Câmara dos Deputados, a pasta convidou apenas defensores da abstinência sexual. O público era essencialmente religioso.
O ministério afirmou que usou como referência “estudos científicos e a normalização da espera como alternativa para iniciação da vida sexual em idade apropriada, considerando as vantagens psicológicas, emocionais, físicas, sociais e econômicas envolvidas, sem que isso implique em críticas aos demais métodos de prevenção”.
Na entrada do auditório, dois cartazes criticavam o uso da camisinha como método de prevenção e afirmavam — sem qualquer respaldo científico — que poros no preservativo permitem a passagem do vírus HIV. Os responsáveis pelo evento negaram ter qualquer responsabilidade sobre os cartazes ou endossar o conteúdo ali expresso. Um padre recolheu o material ao fim do evento.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil tem uma índice de 56,4 nascimentos a cada mil mulheres adolescentes na segunda metade da década — a taxa mundial é de 44 para cada mil. Diante desse quadro, o MDH optou pelo que classifica de “preservação sexual”.
Em nota, a pasta nega a promoção da abstinência como política de governo: “A ideia é garantir o empoderamento de meninas e meninos sobre o planejamento de vida e a consequência de suas escolhas”, afirmou o ministério, em nota. “A ideia de promover a preservação sexual está sendo considerada como estratégia para redução da gravidez na adolescência por ser o único método 100% eficaz e em razão de sua abordagem não ter sido implementada pelos governos anteriores”.
O MDH acrescenta que “a prevenção do risco sexual já é política em outros países com resultados exitosos em diversos indicadores sociais”. A pasta não menciona a que países se refere e quais são esses indicadores.
Já o Ministério da Saúde decidiu acabar com a caderneta de saúde do adolescente — que, em cerca de dez anos, distribuiu mais de 32 milhões de exemplares em unidades básicas de saúde. Nela há informações sobre puberdade, sexo seguro e prevenção da gravidez precoce. A pedido de Bolsonaro, a pasta publicou um ofício afirmando que o material “terá sua distribuição e uso descontinuado, até que se concluam as avaliações”.
A reportagem questionou a pasta sobre a razão do fim da caderneta e se ela será retomada ou se outro material entrará em seu lugar. Por meio da assessoria de imprensa, o ministério afirmou que não responderia as perguntas.
Reação de médicos
Em março, quando Bolsonaro manifestou-se contrário à caderneta, oito profissionais de saúde do Departamento Científico de Adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) assinaram uma nota em defesa do material.
“Atender questões médicas e agravos de saúde de adolescentes é uma tarefa que impõe boa sintonia com pessoas dessa faixa etária, desenvolver empatia de forma refinada, obter conhecimento técnico sobre exame físico e as peculiaridades do desenvolvimento e do comportamento e se manter atualizado com os avanços sociais”, assinalou a nota técnica. “Para o êxito de seu papel, pediatras e médicos da família que atendem a população brasileira de adolescentes contam com a caderneta, considerada uma ótima ferramenta”.
Para Mariana Franzoi, professora do Departamento de Enfermagem da Universidade de Brasília (UnB), não se pode impor o modo como a sexualidade se manifesta:
— É preciso saber respeitar os adolescentes, que já têm autonomia. Trabalha-se com educação sexual para que os adolescentes se cuidem e façam sexo seguro, quando eles quiserem — ressalta. — A postura do governo é preocupante. Não se pode obrigar um adolescente a fazer sexo, nem a se preservar.
De acordo com a especialista, a caderneta era ilustrada com imagens equivalentes às presentes em livros do ensino fundamental:
— Não tinha nada de pornográfico. Se for assim, será necessário recolher livros do ensino fundamental. Adolescentes continuarão fazendo sexo, até pelas redes sociais. E essa exposição, por exemplo, é que é preocupante.
Além disso, profissionais da saúde que atuam com o Programa Saúde na Escola, uma parceria entre os ministérios da Saúde e da Educação, relatam um enfraquecimento do eixo do programa voltado a infecções sexualmente transmissíveis e reprodução. As informações disponíveis on-line sobre o projeto estão inacessíveis.
Fonte: O Globo