A tecnologia pode ser uma aliada no combate ao tráfico e furto de fósseis que, há anos, tem sido um desafio para as autoridades. Com objetivo de auxiliar na preservação dessas peças, cujo valor geológico e biológico é imensurável, dois professores universitários desenvolveram um programa pioneiro no mundo que faz a identificação biométrica dos fósseis. Através de fotografias, o material coletado em sítios ou pedreiras fará parte do banco de dados do software e, assim, em qualquer parte do mundo, poderá ser reconhecido como fruto da Bacia Sedimentar do Araripe. O sistema foi batizado como “Paleoimage”.
Segurança
A ideia partiu da docente Katia Sacramento, ao ser nomeada professora da Universidade Regional do Cariri (Urca), em 2011. Com os crescentes casos de tráfico de fósseis, ela resolveu estudar uma forma de reverter este cenário. Em 2014, após materiais apreendidos pela Polícia Federal serem destinados à Universidade de São Paulo (USP), a proposta amadureceu.
“Um argumento para a saída dos fósseis era que o Ceará não teria recurso de controle e segurança. O programa, então, surge como uma resposta”, detalha a professora que é doutora em Biometria e Estatística Aplicada.
Ao lado de Vinicius Sacramento, docente da Universidade Federal do Cariri (UFCA), o projeto ganhou corpo e foi apresentado ao Geopark e à Reitoria da Urca. A proposta agradou e, há quatro anos, os professores iniciaram o desenvolvimento do sistema. No fim do ano de 2019, o trabalho ficou pronto e mais de 10 mil fósseis do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, que é gerido pela Urca, começaram a ser incluídos no banco de dados do programa.
Operação
A funcionalidade do Paleoimage é prática. Tão logo um fóssil seja encontrado em uma área de extração, ele é fotografado e as informações, ao serem enviadas aos pesquisadores, passam a fazer parte do banco de dados, onde é registrado digitalmente. “Se porventura alguma peça que for desviada, extraviada ou sair do Museu, seja apreendida ou vendida na internet, tem como, a partir de outra imagem, escanear e identificar que é pertencente à Universidade ou à Bacia Sedimentar do Araripe”, explica Vinicius.
Katia Sacramento reforça que “em lugar nenhum do mundo há um programa que registre estes fósseis”. Outra possibilidade que poderá ser desenvolvida é a identificação de padrões, a partir de características próprias de peças que só são encontradas na Bacia do Araripe. Isso reforçará a sua origem. “Onde ela estiver, poderá ser repatriada”, acrescenta a docente. O próximo passo, agora, é disponibilizar o Paleoimagem em formato de aplicativo de celular para que o processo de reconhecimento seja mais prático e rápido. O software móvel deve ser desenvolvido neste ano.
“O intuito é oferecer ao Governo do Estado e à Polícia Federal também. Em qualquer lugar do País, quando os agentes realizarem apreensões, poderão rastrear a origem”, completa Katia.
Os pesquisadores esperam também contar com a colaboração da comunidade para enviarem fotos, seja das minas ou de sítios paleontológicos, para que estas peças sejam inseridas no software.
Relevância
O professor Allyson Pinheiro, diretor do Museu Plácido Cidade Nuvens, acredita que esse sistema pode proporcionar uma parceria com a Polícia Federal e Ministério Público Federal (MPF), principalmente nos controles de fronteira. “Estou muito confiante em que este programa, inovador, seja apresentado para órgãos de segurança brasileiros e internacionais. Vai facilitar muito a identificação das peças e também o gerenciamento”.
Já o coordenador do laboratório de Paleontologia da Urca, professor Álamo Feitosa, acredita que o software será importante para manter, no Ceará, o material já tombado. Em sua análise, isso será fundamental para repatriar peças que poderão, eventualmente, ir para fora do País. Apenas no Stuttgart State Museum of Natural History, na Alemanha, o pesquisador enumera mais de 85 mil fósseis oriundos da Bacia do Araripe, enquanto estima outros 300 mil espalhados pelo continente europeu.
“Não é um problema que resolva num estalar de dedos. O cenário dos fósseis no Cariri é complexo, requer muita atenção por parte dos pesquisadores e da Agência Nacional de Mineração que, por vezes, se omite”, pondera Feitosa.
Normativa
O Decreto Lei Nº 4.146, de 1942, determina que os fósseis são propriedade da União. Ao contrário de alguns países, como Estados Unidos e Alemanha, a compra e venda no Brasil é proibida. Sua extração depende da autorização prévia da Agência Nacional de Mineração, antigo DNPM.
Independem dessa autorização e fiscalização os exploradores que representam museus nacionais e estaduais e estabelecimentos oficiais, tendo, porém, que comunicar antecipadamente ao mesmo órgão. A pena para quem comercializa as peças varia de um a 5 anos de prisão. “Antes da lei, não era problema transitar com fósseis. E isso é o que muitos argumentam: ‘eu peguei antes da lei’. Com o programa, se tiver registrado, terá a data no nosso banco de dados”, conclui Vinicius Sacramento.
Por Antonio Rodrigues
Fonte: Diário do Nordeste