No conjunto Virgem dos Pobres, na periferia sul de Maceió, o apartamento número 102 abriga 12 pessoas em seus pequenos 40m². Além de Aurenir Maria da Silva, 38, vivem no local seus oito filhos, três netos e o cão Scooby, que faz a festa para quem chega para visitar o lar. O 13° previsto do Bolsa Família era um valor que ela contava desde o meio do ano, mas acabou virando uma frustração.
“Eu esperei tanto esse valor. Mas a verdade agora é que para sobreviver estou recebendo doações. É muito complicado, um Natal da fome passarei”, conta a marisqueira, que recebia, até outubro, R$ 380 mensais, e agora vive de ajuda da ONG (Organização Não-Governamental) Manda Ver, que atua na área social na região do bairro do Vergel do Lago, região sul da capital alagoana.
Há três meses, ela conta que foi informada de uma suposta falta do cumprimento de condicionante de manter a frequência escolar dos filhos. “Mas meus filhos não faltam aula, nunca tive problema. Não entendi o que houve”, cita. Em outubro, ela foi tirar o extrato e viu que sua bolsa parou de vir. “Foi um desespero.”
Mesmo sem ter problemas, e com a pendência resolvida, ela entrou na fila de espera para voltar a receber o benefício. Sem bolsa para comprar sequer comida, o sonho de ter um fim de ano com mais e melhores alimentos em casa foi perdido. “Com esse 13º eu ia comprar uma comida melhor, trocar o botijão de gás que secou sem aperto, talvez uma roupa nova para os meninos. Mas agora só tenho problemas, não tenho muito o que comemorar”, diz.
Desde que anunciou o pagamento do abono natalino, em abril, o Bolsa Família encolheu, com 1,16 milhão famílias a menos. Muitas delas comemoraram o anúncio do inédito 13º , mas acabaram cortadas do programa.
Em maio, o programa beneficiou 14.339.058 famílias — um recorde do programa desde sua criação, em 2004. Em dezembro esse número caiu para 13.170.607. Metade dos beneficiários vive no Nordeste.
O benefício médio — acumulando o valor mensal e o extra — foi de R$ 383,54. No ano, o Bolsa Família fechou com gasto de R$ 33,6 bilhões, quase 10% a mais do que em 2018, quando foram R$ 30,6 bilhões.
Paulo Bonfim e Maria Fabiana do Nascimento moram na favela Sururu de Capote, em Maceió, e sofrem as consequências do corte do Bolsa Família e da redução das vendas do pescado – Beto Macário/UOL
Pobreza e dependência
Na favela Sururu de Capote, às margens da poluída lagoa Mundaú, em Maceió, 100% dependem do Bolsa Família. Maria Fabiana do Nascimento, 33, e seu marido, Paulo Sérgio Bonfim, 49, recebiam R$ 130 até setembro, quando tiveram o benefício cortado.
Ele é pescador artesanal na lagoa e teve um duplo baque: além perder o bolsa, viu as vendas desabarem por causa do óleo que poluiu praias. “Aqui [na lagoa] não chegou nada de óleo, mas o povo ficou com medo e não comprou mais nosso pescado”, diz.
Para piorar, o barco dele começou a apresentar rachadura, o que o obrigou a parar de navegar. “Ia usar esse 13º bolsa para consertar o barco, mas vamos ficar no sofrimento”, afirma.
A esposa dele, Maria Fabiana diz que ainda não foi pegar a declaração de frequência dos filhos na escola porque está sem dinheiro para o ônibus. “Nosso botijão de gás está seco há dois meses, estamos usando lenha, comendo só aquilo que pescamos ou ganhamos pedindo por aí”, explica.
Na mesma favela, Josiquele Ferreira, 34, conta que não recebe o Bolsa Família há mais de um ano. Ela conta que este ano cansou de tentar a nova inclusão. “Vou sempre lá e dizem que está em análise, mas nunca resolve. Última vez que fui ver o extrato para ver se entrou o dinheiro foi em outubro, mas parei de ir porque toda vez me dá vontade de chorar”, afirma a marisqueira.
A assistente social Rosângela Melo, do projeto Manda Ver, atua no apoio a famílias pobres da região da lagoa Mundaú. Ela conta que está há um ano e meio atuando no local e nunca viu tantas famílias passarem necessidades como agora.
“Noto que há muito problema de informações no cadastro, como com as condicionantes ou uma mudança de endereço. Tudo tem de ser informado, mas muitas vezes eles não têm o apoio, deixam de o fazer e acabam tendo o bloqueio. E para entrar de novo, está muito difícil”, explica.
Sem informar fila
O Ministério da Cidadania confirma que há fila de espera, mas se nega a informar o quantitativo. A pasta informou que, “devido às frequentes mudanças no cenário econômico, o programa necessita passar por um redirecionamento, pois seu principal objetivo – a complementação de renda – está desvirtuado.”
“Por isso, técnicos do Ministério da Cidadania têm se debruçado em estudos para aperfeiçoar a gestão do programa e os processos de inclusão, exclusão e manutenção de famílias na folha de pagamento, com o objetivo de beneficiar os que realmente precisam. Nos últimos meses, houve redução no número de inclusões de famílias, o que deve ser normalizado com a conclusão desses estudos e com a melhoria da situação econômica do país”, explica a pasta.
O UOL solicitou, ainda em novembro, por meio da assessoria de imprensa do ministério, o número de beneficiários que estão na fila de espera, mas não obteve resposta. Fez o mesmo pedido pela Lei de Acesso à Informação. A resposta veio no dia 20, mas com a pasta informando não ter os dados.
“A Secretaria Especial do Desenvolvimento Social (SEDS) informa que, os dados referentes ao período solicitado não se encontram consolidados, de modo que esta Secretaria precisaria deslocar recursos humanos e tecnológicos para gerar os dados, o que impactaria a rotina operacional do órgão.”
Segundo a coordenadora do CadÚnico (Cadastro Único) em Maceió, Stephanie Cavalcanti, existem várias famílias na capital alagoana que estão à espera de inclusão do governo federal. “Essa fila é formada por pessoas que estão com perfil para receber a bolsa, estão habilitadas, mas ainda não tiveram o benefício concedido”, explica.
De acordo com ela, o programa já está consolidado e é eficaz no combate à pobreza e redução da desigualdade no país “principalmente porque impacta diretamente na parcela mais vulnerável da população”.
Para a coordenadora, a volta da fila de espera causa danos ao sistema de proteção social. “A redução nas concessões afeta não só os beneficiários, mas todo um ‘ecossistema’ que se forma em torno do programa. Como, por exemplo, os donos de mercadinhos de bairros que têm suas vendas estimuladas pela circulação de dinheiro advindo do Bolsa Família; as escolas registram menos evasão e assim por diante. É uma cadeia, e se alguém deixa de funcionar, afeta os demais”, afirma.
Fonte: UOL