O poeta, filósofo e letrista Antonio Cícero faleceu nesta quarta-feira (23), em Zurique, na Suíça, aos 79 anos. Diagnosticado com Alzheimer há alguns anos, Cícero viajou para a Europa acompanhado de seu parceiro, Marcelo Fies, com o objetivo de realizar a morte assistida, procedimento permitido no país europeu.
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A notícia foi compartilhada por Marcelo em uma mensagem dirigida a amigos: “Venho com muita tristeza avisar que nosso amado Cícero acaba de falecer”. Ele relatou que o poeta já estava planejando o procedimento há algum tempo, tendo enviado documentos para formalizar a decisão. “Ele insistiu muito que ninguém soubesse”, revelou Marcelo.
A morte assistida, permitida na Suíça, é um procedimento em que a pessoa toma a decisão de encerrar a própria vida de maneira voluntária e controlada. Diferente da eutanásia, onde o paciente recebe assistência direta, no suicídio assistido a pessoa é o agente ativo de sua própria morte. No Brasil, ambos os procedimentos são proibidos.
Antes do procedimento, Antonio Cícero ainda passou por Paris, cidade que admirava profundamente, para uma despedida pessoal. O poeta deixou instruções claras para que seu corpo fosse cremado e uma carta para ser divulgada após sua morte.
Legado literário e musical
Antonio Cícero foi um dos grandes nomes da poesia e da música popular brasileira. Em 2017, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras (ABL), assumindo a cadeira 27 no ano seguinte. Nascido no Rio de Janeiro, ele completou 79 anos no início de outubro.
Cícero era conhecido por suas colaborações com importantes artistas da MPB. Entre suas parcerias mais notáveis estão as composições com sua irmã, Marina Lima, como Fullgás, além de trabalhos com Adriana Calcanhotto (Inverno), João Bosco (Trem Bala) e Lulu Santos (O Último Romântico).
Além de letrista, Antonio Cícero também era filósofo, com formação pela University College, em Londres. Publicou obras que incluem os livros de poesia Guardar (1992), A Cidade e os Livros (2002) e Porventura (2012), além de ensaios filosóficos como O Mundo Desde o Fim (1995) e Finalidades sem Fim (2005).
Cícero foi uma figura central na literatura e na música, deixando um legado marcante em ambos os campos. Ele também colaborou com o poeta Waly Salomão no livro de ensaios O Relativismo enquanto Visão do Mundo (1994), uma reflexão crítica sobre a contemporaneidade.
Confira a íntegra da carta deixada por Antonio Cicero:
“Queridos amigos,
Encontro-me na Suíça, prestes a praticar eutanásia. O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer.
Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem.
Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi.
Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia.
Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu mais gostava no mundo.
Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha terrível situação.
A convivência com vocês, meus amigos, era uma das coisas – senão a coisa – mais importante da minha vida. Hoje, do jeito em que me encontro, fico até com vergonha de reencontrá-los.
Pois bem, como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo.
Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade.
Eu os amo muito e lhes envio muitos beijos e abraços!”
Apoio à saúde mental
Em momentos de dificuldade, pessoas que precisam de assistência podem buscar apoio emocional gratuito pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), que atende pelo telefone 188, além de oferecer serviços por chat e e-mail. A rede pública de saúde, através dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), também fornece suporte psicológico e psiquiátrico.
Outras opções incluem o Mapa da Saúde Mental, que reúne uma lista de locais de atendimento voluntário em todo o país, e o Pode Falar, canal anônimo do Unicef voltado à saúde mental de adolescentes e jovens de 13 a 24 anos.
Por Heloísa Mendelshon