Há um café na esquina da rua onde moro. Nada de mais em sua fachada, apenas uma porta de madeira desgastada pelo tempo, uma janela que já viu dias melhores e um toldo vermelho desbotado, que tenta, sem muito sucesso, proteger os poucos clientes do sol. No entanto, é dentro desse lugar que algo verdadeiramente extraordinário acontece.
Toda manhã, ao cruzar a rua para ir ao trabalho, vejo o Sr. Joaquim sentado na mesma mesa, no mesmo lugar. Um velho senhor de cabelos brancos e olhos que brilham com uma sabedoria silenciosa. Seu ritual é sempre o mesmo: pede um café simples, sem açúcar, e fica ali, mergulhado em pensamentos que parecem viajar para tempos distantes. O que chama atenção, porém, é o fato de que o café dele nunca esfria.
Pode parecer coisa boba, mas eu observei atentamente. O Sr. Joaquim chega por volta das sete, abre o jornal e toma o primeiro gole. Fica horas ali, lendo as notícias, olhando pela janela, perdendo-se em reflexões, e quando levanta a xícara novamente, a fumaça continua subindo, como se tivesse acabado de ser servido. Não importa se o vento entra pela porta ou se ele é distraído por uma conversa com algum conhecido; o café permanece quente, intacto.
Certo dia, tomado pela curiosidade, resolvi entrar no café. Sentei na mesa ao lado e pedi um café igual ao do Sr. Joaquim. Na tentativa de desvendar o mistério, comecei a observá-lo mais de perto. Ele percebeu, claro, mas não disse nada, apenas sorriu de um jeito cúmplice, como quem sabe de algo que os outros desconhecem.
Não resisti e acabei puxando conversa. Perguntei sobre o segredo do café, brincando, como quem não espera uma resposta séria. Ele riu baixo, olhou para a xícara e, depois de um momento de silêncio, disse: “O café nunca esfria quando se tem boas lembranças para aquecê-lo.”
Essa frase ficou comigo. Voltei ao trabalho, mas durante o dia, repeti aquelas palavras na minha cabeça inúmeras vezes. Talvez fosse verdade. Talvez o café do Sr. Joaquim permanecesse quente porque ele o saboreava com o calor das memórias que guardava com tanto carinho.
Nos dias seguintes, continuei visitando o café, sempre pela manhã. O Sr. Joaquim estava lá, invariavelmente. Comecei a perceber que ele era uma espécie de guardião daquele pequeno universo. Todos os que passavam por ali o conheciam, trocavam palavras rápidas, sorrisos sinceros. E, enquanto todos nós corríamos para nossas rotinas, ele permanecia no seu ritmo, sem pressa, apenas apreciando o momento.
Certa manhã, ele me contou que aquele café era onde ele e a esposa costumavam se encontrar, décadas atrás, antes mesmo de se casarem. “Ela sempre se atrasava”, ele riu, “mas eu não me importava. Sabia que, quando ela chegasse, o café que pedíamos juntos seria o melhor do mundo, porque ela estava ali, ao meu lado.”
Acredito que é por isso que o café dele nunca esfria. Para o Sr. Joaquim, cada gole é uma lembrança viva, uma conexão com o passado, uma forma de manter acesas as chamas das histórias que o moldaram. Seu café é uma metáfora para o que importa na vida: o calor das experiências vividas, o valor das pequenas coisas que, juntas, constroem o nosso mundo interior.
Hoje, quando passo pela esquina e vejo o Sr. Joaquim, não vejo apenas um senhor tomando café. Vejo alguém que aprendeu a transformar cada dia em um momento único, a manter o calor das coisas boas sempre presente, a viver com um coração aquecido pelas histórias que escolheu não esquecer.
Por Mirta Lourenço. Médica, professora, cronista e poetisa
*Este artigo é de inteira responsabilidade da autora, e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri