Em cima do morro tinha um muro amarelo, pássaros enormes se reuniam, eram urubus, catando carniça. Esgotos olhando para os céus. Poeira branca da Gipsita. Os trens, os trilhos e o povo dividido. Um horizonte marcado pelo deserto e pelo despossuido. A poesia escondida pela exclusão e o silêncio, mas não foi o povo daqui que pariu os tormentos. Ainda era criança quando percorria essa paisagem e descobria cada pedaço deste lugar e sua gente.
Sou criar da costureira e do sapateiro, cresci na beira da linha, soltando pipa, correndo nos vagões e subindo num amontoado rochas.
Nada é imutável, nem a terra e muito menos os donos do poder. As coisas por aqui estão mudando, mas ainda não é a revolução. Aos poucos a poesia vai brotando das mãos inquietas que se unem para erguer sonhos e fazer trincheiras de luta.
A luta pelo direito à cidade dever ser encarada como conflituosa e tatuada pela opressão e exploração do nosso povo. Nada é dado. A democracia não é um pacto de paz, mas um destrato marcado pelas ideias e interesses contrários. É preciso acreditar, organiza a luta e conquistar um horizonte carregado de esperança, narrado e protagonizado pelo nosso povo que desenha cotidianamente as suas paisagens sociais e culturais.
Estamos em marcha, podemos retroceder e avançar. É tempo de plantar flores e de construir barricadas.
A partir do verso da luta brotou uma quadra, uma praça , um sítio urbano, a pavimentação, o saneamento. Nasce um novo tempo temperado de nós.
Os microfones poderão está desligados, mas gritaremos, nossas vozes nunca foram escutadas no silêncio. Ainda é pouco porque queremos céus e terras, pão e poesia repartido na mesa da humanidade.
Podemos voar distante dos urubus, reconstruindo nossas quebradas, desfazendo muros e acumulando forças.
Por Alexandre Lucas. Pedagogo, artista, educador e integrante do Coletivo Camaradas
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor, e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri