No Brasil, em tempos não tão distantes, a adoção de uma criança ou adolescente muitas vezes ocorria por meio de acordos informais entre as partes envolvidas. O registro civil era feito em nome da nova família, e o segredo era mantido, longe dos olhos da lei. Esse costume, remanescente dos tempos coloniais, perpetuou-se por séculos e se tornou tão enraizado na sociedade que ganhou o nome de “adoção à brasileira”. Hoje, essa prática é considerada crime, conforme o artigo 242 do Código Penal, com pena de até seis anos de prisão.
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Atualmente, a lei determina que toda adoção deve ser realizada com a aprovação do Poder Judiciário. Esse processo só ocorre em duas situações: quando a mãe entrega voluntariamente o filho para adoção, ou quando a criança ou adolescente é retirado do ambiente familiar devido à violação de direitos, levado para um abrigo público e destituído do vínculo familiar pela Justiça. Essas condições estão detalhadas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Em um esforço para legalizar e orientar processos de adoção, a Defensoria Pública do Ceará (DPCE) realiza o mutirão “Adoção: uma decisão legal” nesta terça (4) e quarta-feira (5). O evento visa ajudar tanto aqueles que desejam adotar quanto aqueles que querem regularizar adoções feitas nos moldes da “adoção à brasileira”.
“Abandonar, que é ilícito, não se confunde com ‘entregar’ um filho menor de 18 anos para adoção. Neste último caso, a mulher pode acionar a justiça sem sofrer punição”, explica Nadinne Callou, defensora pública que idealizou o projeto “Cegonha – Mãe Ciente, Adoção Eficiente” em Juazeiro do Norte. Desde 2019, a DPCE trabalha em parceria com a Vara da Infância e da Juventude local, oferecendo suporte às mulheres que desejam entregar seus filhos para adoção de forma segura e legal.
Desafios e realidades da adoção no Ceará
O Ceará atualmente conta com 166 crianças e adolescentes disponíveis para adoção e 1.097 pretendentes. No entanto, a maioria dos interessados deseja adotar crianças com menos de três anos, do sexo feminino e brancas. Em contraste, quase 70% das crianças aptas para adoção no Brasil têm mais de oito anos e são negras.
“Existe uma ideia na nossa cultura de que meninas são mais fáceis de educar e mais dóceis. A adoção de meninos mais velhos não acontece tanto, mas é preciso entender que a adoção é um projeto de vida”, avalia Noêmia Landim, defensora pública do Núcleo da Infância e da Juventude da DPCE em Fortaleza.
A defensora Aline Marinho, que atua em Juazeiro do Norte, enfatiza a importância da burocracia no processo de adoção. Ela ressalta que, por lei, a adoção é a última opção em casos de violação de direitos, e que é fundamental preservar o vínculo biológico sempre que possível.
O papel do SNA e o desconhecimento da população
Embora tenha havido avanços legislativos, o Sistema Nacional de Adoção (SNA) ainda é pouco conhecido pela população. “Muita gente desconhece que só adota se for cadastrada, que precisa fazer um curso de formação e que existe um acompanhamento”, explica Marinho.
A psicóloga Aparecida Leandro, colaboradora da DPCE no Cariri, destaca a necessidade de acreditar na história e no amor que a adoção representa. “Adotar é um ato de amor e responsabilidade. A criança tem sua própria trajetória e precisa de tempo para se adaptar”, diz.
Em Juazeiro do Norte, há cerca de 50 pretendentes cadastrados para nove crianças ou adolescentes disponíveis à adoção. No Ceará, desde janeiro de 2019, 493 crianças e adolescentes foram adotados. No Brasil, 5.674 menores de 18 anos aguardam por um novo lar, enquanto 36.260 pessoas ou casais estão interessados em adotar.
Reflexões e responsabilidades
Aparecida Leandro adverte contra a romantização da adoção e reforça a importância do bem-estar da criança. “Adoção não é apenas tirar a criança de um abrigo. Ela precisa de um ambiente seguro e estável, e a família adotante deve estar preparada para essa responsabilidade”, finaliza.
Por Bruno Rakowsky