Há anos não se viam. Mas havia entre eles uma vontade enorme de que um dia pudessem se reencontrar por uma destas esquinas de qualquer cidade, ou numa praça qualquer de qualquer capital.
Haviam sido colegas de secundário, dois jovens vindos do interior para estudar na capital do estado. Espirituosos como devem ser os jovens, cedo se envolveram no movimento político estudantil, eram camaradas, compartilhavam ideias e ideais bem parecidos.
Foram três anos de intensa atividade intelectual, política e escolar, claro. Depois, a luta para ingressar na Universidade. Porém, quis o destino que apenas um atingisse esse objetivo, o outro resolveu atender um chamado vocacional e fora ao seminário, seria padre, era o que queria.
E deu-se a separação entre eles. A amizade é uma destas árvores resistentes, que nasce de uma pequena semente, torna-se muda, depois vai crescendo, crescendo. Não exige muito. Como os Baobás africanos, seu destino é a grandeza diretamente proporcional à passagem do tempo.
O primeiro foi à universidade federal e de lá sairia dali a cinco anos, um advogado, doutor das leis, e a julgar pela sua conduta progressista na militância estudantil secundarista, também o faria na universidade, e posteriormente na vida profissional.
O segundo, no Seminário, em outro estado, bem ao sul do país, sob a tutela da igreja, manteria sua postura dos tempos de secundário? Provável que não. A igreja assim como o militarismo tende a mudar a cabeça dos que naquela instituição ingressam, salvo raros casos, como certo Frei e certo bispo que nos anos de chumbo lutaram contra a repressão, ou certo padre que conheci outrora numa cidadezinha do interior.
No mais, a igreja forma sacerdotes para a missão de evangelizar que não se distancia muito dos primeiros tempos da igreja no Brasil, a não ser pela questão da arrecadação, conservadora que é, seria um verdadeiro milagre contra si mesma, se aquele jovem destoasse desta missão, ou averbasse a ela a militância política.
Pois bem, separados os amigos, vinte anos se passaram e estando um deles, o padre, em visita à capital onde cursara o ensino secundário, não é que esbarra acidentalmente num cara, que eloquente segurava um cartaz pró-governo, com os dizeres “O Brasil acima de todos e Deus acima de tudo”. Esbarraram-se e se entreolharam, e se reconheceram. Os dois grandes amigos do passado, que carregavam em seus âmagos, a vontade de se rever, do nada, em meio a uma manifestação política, como haveria de ser, reencontraram-se.
Conversaram por quase uma hora. Mas já não eram os mesmos.
Um agora era político, de direita e almejava uma vaga na assembleia legislativa do estado, defendia ideais divergentes de outros tempos. O outro, já não era padre, tornara-se professor, casara, e fora morar em outro estado, continuava firme em seus propósitos, pensamento ainda progressista, de esquerda.
Suas falas inicialmente empolgadas pela alegria do reencontro, aos poucos foram destoando. Como se falassem idiomas diferentes, apenas os gestos eram pacíficos.
Foram longos minutos até o momento em que o irmão do ex-padre chegou e o chamou para pegar o carro e voltarem para casa.
Houve despedida. Houve promessas de novo encontro, mas ambos sabiam que já não fazia sentido. O Baobá outrora plantado deveria seguir a revelia do tempo. A amizade ficara no passado.
Por Francinaldo Dias. Professor, cronista, contador de “causos” e poeta
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri