“Eu plantei meu milho todo no Dia de São José/Me ajuda a providência, vamos ter milho a grané/Vou coiê, pelos meus cálculos, 20 espiga em cada pé”. É com a música de Luiz Gonzaga que José Erasmo Barreiro, 77, profeta da chuva, começa a contar sua vida que se entrelaça com seu xará santo, padroeiro do Ceará e com o dia 19 de março, especial para muitos cearenses, para chamar de seu: São José.
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Segundo a crença popular, quando chove no Dia de São José, é certeza de um inverno próspero. Assim, agricultores e fiéis de todo o estado anseiam por qualquer sinal positivo que venha do céu. O trabalho dos profetas, muito mais empírico do que o nome implica, ironicamente surgiu justamente para que o povo do campo não dependesse somente da fé. Para o senhor Erasmo, o dom veio de família. “Aprendi tudo com meu pai, que por sua vez, aprendeu com seus avós. O profeta mesmo é Deus. Não tem segredo em ser profeta da chuva, é só você viver como eu vivo diariamente ao lado da natureza”, declara.
Nascido e criado no município de Quixadá, o experiente agricultor e também poeta, conta que o verdadeiro profeta é alguém que fica com o olho bem aberto. “Em julho, eu vou no sertão. É quando flora o cumaru. Ainda tá chovendo, mas a folhagem cai todinha. Se a flor não segurar o fruto, para nós, o futuro não será bom. Mas se você ver que segurou mais fruto que flor, para o ano, o inverno será grande. Em agosto, tem a floração do pau-d’arco e é o mesmo processo. Também podemos observar as abelhas, como o enxuí. Em agosto, nós vemos a quantidade de mel. Se em dezembro, ao final dos trabalhos, a colmeia estiver com a mesma quantidade, o inverno será ruim. Se estiver vazia, pode ter certeza que o inverno será pai d’égua”, se diverte.
Também com a incumbência de auxiliar seus pares, Maria de Lourdes Leite, 87, possui o título de primeira profetiza do Ceará. Com muito orgulho, ela conta que, durante sua longa vida, passou conhecimentos, não só sobre a chuva, mas em diversas matérias dentro da sala de aula. “Mesmo nascida em um local humilde, já sabia ler e escrever com quatro anos de idade. Virei professora aos 15 e aprendi tudo o que sei sobre a chuva com meu pai, que era agricultor”, relata.
Divertida, Lourdinha, como é conhecida, diz que hoje é a “rainha dos profetas”, mas o posto foi conseguido a duras penas. “Por ser mulher, por muito tempo, ninguém dava muita bola para o que eu falava. Uma vez, dei um conselho para um grupo de agricultores para não plantarem àquela temporada na margem de um rio, pois choveria bastante na virada do ano e ele sangraria. Do grupo, apenas um me ouviu. Os outros não deram bola. Resultado, quem plantou perdeu sua colheita. Hoje sou respeitada, me escutam, mas esse respeito só veio com o tempo”, relembra.
Para ambos, a relação com São José é de respeito e admiração. A dupla realiza suas experiências, mas mesmo com resultados não tão positivos em certos anos, sempre ficava a expectativa de que se chovesse no dia 19, o inverno iria para um rumo próspero.
Origem do elo
Mas quem é São José e qual a sua relação com o Ceará? Padre da Paróquia de São José, no bairro Vila Peri, em Fortaleza, James Wilson Januário de Oliveira, 42, explica que o santo é íntimo do estado desde os primeiros passos dos colonizadores na terrinha. “José é o esposo de Maria e pai adotivo de Jesus. É um personagem com poucos detalhes históricos. Você vê informações sobre José no começo da bíblia, mas depois, ele some. Sabemos que com certeza ele morreu antes da vida pública de Jesus, que foi dos 30 aos 33 anos”, diz.
O pároco continua. “A ligação de São José com o Ceará remonta ao tempo da colônia. Com a chegada dos primeiros colonizadores ao que seria o estado do Ceará, veio junto uma imagem de São José de Ribamar, que já era cultuado em Portugal. A primeira vila erguida no Ceará foi chamada justamente de São José do Ribamar, localizada onde hoje é o município de Aquiraz, em homenagem ao santo que hoje é nosso padroeiro”, complementa.
Para os festejos desta terça-feira (19), a paróquia espera cerca de três mil fiéis e também muita chuva para atender os pedidos de muitos daqueles que frequentam o local. No bairro há dois anos, padre James se sente honrado em participar das celebrações de São José na igreja que leva o nome do santo. “É muito gratificante. São José é um santo que a gente aprende a ter devoção desde criança, por todo esse apreço que o cearense tem por ele. E tem sido uma experiência muito bonita. Quem frequenta a nossa igreja é um povo bastante diversificado, acaba trazendo uma riqueza de fé, cultural e antropológica imensa para nós”, comenta de forma emocionada.
São José e a ciência
Criada em 1974, a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) é a responsável por estudos, previsões, monitoramentos entre outros assuntos relacionados às chuvas em todo o estado. É por meio do órgão que a população tem acesso a vários dados que podem se tornar relevantes para o dia a dia ou até mesmo para assuntos triviais. Meiry Sakamoto, gerente de meteorologia da Fundação de Pesquisa, conta que já recebeu até ligações de noivos para saber se choveria no dia do casamento ou em um dia de uma viagem importante.
Mas será que, para o Dia de São José, crença e ciência podem andar lado a lado? A estudiosa detalha que existe uma explicação para as chuvas no período e que nem sempre precipitações na data dão a certeza de um inverno generoso. “De fato, se chover nessa época, mas não necessariamente neste dia, mas no período, significa que você já vai ter a influência da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT). Então, dá até para compreender a associação em ter uma boa estação chuvosa por causa das chuvas desse dia. Tem um outro aspecto também, por volta desse dia, acontece o equinócio de outono para o hemisfério sul. Porém, temos exemplos de anos com uma boa estação chuvosa em ano que não choveu tanto no Dia de São José: 2009, por exemplo, choveu em poucos municípios, mas mesmo assim, a estação chuvosa foi muito boa. Já em 2013, choveu em quase todos os municípios, mas a estação chuvosa não foi boa. Essa relação não é tão direta”, esmiúça.
De acordo com Paulo Roberto Pessoa, professor do Curso de Geografia, do Programa de Pós-Graduação em Geografia e do Mestrado em Climatologia da Universidade Estadual do Ceará (Uece), realmente não é possível cravar uma relação de um bom inverno com as chuvas do dia 19 de março. “Como diz a música ‘são as águas de março fechando o verão’. As chuvas no Ceará ocorrem na estação do verão e não na estação do inverno. Astronomicamente, a Terra está no verão, numa posição equinocial. Infelizmente, não é possível estabelecer essa correlação entre as chuvas que podem ocorrer neste período com o que se desenvolve durante toda a estação chuvosa. O período, por sua vez, está dentro do que chamamos de quadra chuvosa, correspondente aos meses de fevereiro até maio”, destaca.
Seja por meio da fé, das coincidências com a ciência ou pela observação da natureza, o fato é que São José interliga os cearenses e seu dia continuará gerando expectativa, sobretudo para aqueles que vivem do campo e pedem tanto pela graça da chuva. O padroeiro do Ceará, reverenciado por muitos, é e seguirá influente. Pelo sim ou pelo não, que o dia santo seja abençoado com chuva para todos os cearenses.