Nestes dias desmoronou uma parede lateral da Casa de Câmara & Cadeia do Crato. Uma tragédia que vinha se anunciando há anos. O prédio histórico de 1816, especialíssimo na sua arquitetura, é um dos mais preciosos bens imateriais do Cariri. Ali funcionou a Câmara de Vereadores, a Prefeitura de Crato, junto com a Cadeia: as antigas gerações já percebiam que existe uma tênue linha separando as duas atividades. Há dezoito anos, na gestão do ex-prefeito Samuel Araripe, parte do teto ruiu. Foi necessário desativar o Museu de Artes Vicente Leite que funcionava no andar superior. Ele dava nome a um dos mais importantes artistas plásticos do Ceará, conhecido em todo Brasil e que nos deixou, prematuramente, no início dos anos 1940.
O Museu foi inaugurado há 50 anos e tem um acervo de valor incalculável. No andar de baixo funcionava o Museu Histórico J. de Figueiredo Filho, recentemente também desativado. Com as chuvas desse ano, por fim, veio o golpe de misericórdia: o prédio histórico, caída uma parede de sustentação da arcada superior, ameaça desabar. Cresceu um pé de Toré no teto, rachou o muro e houve infiltração de água da chuva. Um Toré na cumeeira? Pois é, meus amigos, para vocês terem uma ideia do estado de conservação do edifício da Câmara & Cadeia!
Durante as quatro gestões subsequentes à tragédia original, o projeto de reforma se arrastou ad eternum. Só na última, oito licitações foram realizadas, sem sucesso. A verba destinada à obra é muito reduzida (em torno de R$ 1.000.000) e as construtoras, aparentemente, não se sentem incentivadas. Ontem, a tragédia maior que se anunciava, aconteceu: corremos o risco de ver por terra um dos últimos remanescentes dos gloriosos tempos da Vila de Frei Carlos.
A repercussão no meio da classe pensante de Crato foi imediata. Filhos próximos e distantes sentiram-se angustiados e desapontados: uma fatia importante do cenário de suas vidas estava sendo apagada. Muitos sabiam da importância dos Museus (Histórico e de Artes Plásticas) nas suas formações cultural e humana. Sediando uma Universidade, que inclusive tem cursos de História e Artes Visuais, a presença de um Museu é preponderante.
O Instituto Cultural do Cariri sente-se no cerne da questão. Vicente Leite é um dos nossos patronos. Bruno Pedrosa, o principal Mecenas do Museu, é um dos queridos sócios do nosso Instituto e, morando na Itália, tem derramado em Asolo sua indignação. Sinhá D´Amora, outra benfeitora do Vicente Leite, com vários quadros gentilmente doados, é parte integrante do nosso colegiado. Edilma Saraiva, restauradora, faz parte do nosso ICC. J. de Figueiredo Filho, que começou em sua casa o acervo precioso do Museu Histórico, foi presidente do nosso sodalício por vinte anos. Vamos cobrar das autoridades competentes medidas emergenciais para tirar o prédio histórico do risco de desabamento. Essa é uma das nossas maiores bandeiras. Não colocaremos tranquilos o rosto no travesseiro até que medidas urgentes sejam tomadas, a reforma seja empreendida e os dois museus, um dia usurpados do nosso convívio, por fim, sejam devolvidos à sociedade cratense. Não dá para imaginar que o nosso destino depende de um pé de Toré. Queremos, novamente, poder pronunciar, com doçura, a marca que foi criada entusiasticamente por nossos antecessores: Crato, Capital da Cultura!
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC). Agraciado com a Medalha do Mérito Bárbara de Alencar
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