Os “Novos Baianos” marcaram definitivamente a Música Popular Brasileira a partir dos anos 70. O grupo trouxe, para minha geração, além do mix de ritmos brasileiros e estrangeiros, banhado em levadas de Tropicalismo, o desbunde do movimento Hippie com figuras antológicas como Moraes Moreira, Pepeu Gomes, Luiz Galvão, Paulinho Boca de Cantor e uma vocalista mignon e linda: Baby Consuelo. A Casa de Jacarépaguá, onde o grupo passou a morar junto, numa espécie de comunidade psicodélica e hippie, onde sexo, drogas e rock ‘n’ roll estavam liberados, fez-se o protótipo de vida de muitos imersos na Contracultura, isso em plena Ditadura Militar. O grupo de viés anarquista nunca quis se submeter ao julgo de gravadoras. O vinil “Acabou Chorare” de 1972 foi considerado pela revista Rolling Stone o melhor disco da música popular brasileira, numa lista de cem. A menina Baby Consuelo seria, também, a primeira vocalista a cantar em um trio elétrico. O sonho durou uma década, de 1969 a 1979, e gerou dezoito discos, entre LP’s e compactos, alguns magistrais.
Corte de quarenta e sete anos. No Carnaval da Bahia deste ano, Baby Consuelo, agora com nome de Baby do Brasil, em plena folia no Trio Elétrico de Ivete Sangalo, ao invés de cantar com a nova diva, resolveu fazer um discurso milenarista-evangélico-apocalíptico, cortando o barato de uma imensidão de foliões:
— Todos atentos porque nós entramos em apocalipse. O arrebatamento tem tudo para acontecer entre cinco e dez anos. Procure o Senhor enquanto é possível achá-lo. Obrigada, galera!
Veveta, rápido, entendeu a nova piração de Baby, retomou o curso da alegria e resolveu macetar o apocalipse junto com a galera. A Baby já passou por outras fases nesta busca que se diz espiritual. Nos anos 80 seguia o pseudoguru Thomaz Morton, aquele que resolvia todos os problemas gritando: — Rá! Uma espécie de abre-te-sésamo para os édens celestes. Há vinte cinco anos virou evangélica, após um assalto em sua casa. Disse, messianicamente, do seu arrebatamento em 1999:
— Eu fui levada no terceiro céu, que Paulo fala na Bíblia. E eu fui mostrada a Jesus, a Deus, ele é lindo. Eu entrei na barriga de Deus, voando, e ele falou para mim que eu estava sendo gerada de novo.
Nada contra a busca espiritual empreendida por Baby. Difícil aguentar esta vida sem anestesia e cada um procura sua lombra. Baudelaire mandava que nos embriagássemos com vinho, com ópio, com poesia ou virtude, contra o fardo horrível do tempo. Pode ser também com religião, com bromazepam, com consumismo. Cada um tem o direito de escolher seu anestésico. A complicação vem quando, de repente, você salta a cancela, se traveste de guru, de possuidor de poderes sobrenaturais com a missão de salvar o mundo. Baby, inclusive, já se autodenomina não mais do Brasil, mas Baby das Nações. Aquela que veio fazer a nova Arca de Noé, salvar os escolhidos e conduzi-los ao terceiro céu. Já vimos estes mesmo sintomas em Jim Jones, na Guiana, com Antônio Conselheiro, em Canudos, e com João Antonio dos Santos em Pedra Bonita. Que nossa cantora faça sua viagem solitária como são todas as de verdadeira ascensão espiritual. As outras substâncias psicoativas que você macetava eram bem menos perigosas. De todas as “Babys”, prefiro a mais virtuosa, a primeira: a Consuelo.
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC). Agraciado com a Medalha do Mérito Bárbara de Alencar
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