A PEC (proposta de emenda à Constituição) que permite prisão após condenação em segunda instância foi aprovada nesta quarta-feira (20) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, apesar de tentativas de obstrução da oposição e da falta de articulação do governo.
A CCJ analisou a constitucionalidade do texto, que agora vai a uma comissão especial, ainda a ser instalada, para debater o mérito.
A proposta, de autoria do deputado federal Alex Manente (Cidadania-SP), foi aprovada por 50 votos a favor e 12 contrários, de um total de 62 deputados que votaram —a comissão tem 66 titulares.
Deputados apoiadores da Operação Lava Jato intensificaram os esforços para tentar aprovar mudanças na lei após o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ser solto, no último dia 8.
A libertação ocorreu porque o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que condenados em segunda instância não podem começar a cumprir suas penas antes que se esgotem todos os recursos.
Para aprovar o texto na CCJ, o governo teve de acatar alterações na proposta original.
A PEC inicialmente mudava o inciso 57 do artigo 5º da Constituição, que diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória —no entendimento de hoje, até que acabem todas as possibilidades de recurso e que a sentença se torne definitiva.
Pelo texto da PEC original de Manente, ninguém seria considerado culpado até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso —ou seja, a prisão já valeria após condenação em segunda instância.
O artigo 5º, no entanto, é uma das cláusulas pétreas da Constituição —ou seja, não poderia ser modificado, nem mesmo por emenda. Era justamente esse o entrave à votação do texto na comissão.
A solução encontrada por Manente na semana passada foi sugerir uma nova PEC com alterações nos artigos 102 e 105 da Constituição, itens que dispõem, respectivamente, sobre o STF e o STJ (Superior Tribunal de Justiça).
O texto foi protocolado na noite desta terça-feira (19) e obteve 187 assinaturas conferidas —eram necessárias pelo menos 171. Desta forma, a nova PEC foi apensada à anterior.
A nova proposta de Manente acaba com os recursos extraordinários (STF) e especiais (STJ) e os substitui pelas ações revisionais extraordinárias e especiais, que permitem revisões apenas por erros.
O entendimento do deputado é que recursos extraordinários e especiais são protelatórios. Com o esgotamento dos recursos ordinários, as decisões em segunda instância transitariam em julgado.
Na semana passada, durante a discussão do tema, havia a expectativa de que, assim que a nova PEC fosse apensada, a relatora da proposta original, deputada Caroline de Toni (PSL-SC), faria complementação de voto pela admissibilidade do novo texto e rejeitaria as mudanças na cláusula pétrea.
Dessa forma, seria possível driblar a resistência de congressistas que viam inconstitucionalidade na proposta inicial. Não foi o que aconteceu.
Carol de Toni decidiu inicialmente manter também a admissibilidade da proposta de alteração no artigo 5º, gerando reações.
O deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) afirmou ser favorável ao texto da segunda PEC, mas disse discordar da aprovação da primeira por se tratar de cláusula pétrea.
“As emendas 410 e 411 [do então deputado Onyx Lorenzoni, apensada à 410] modificam o artigo 5º da presunção de inocência. Confesso que tenho grande dificuldade de votar isso”, disse.
“Somos favoráveis à prisão em segunda instância, e uma maneira eficaz de atingir a prisão em segunda instância é justamente mexendo nos recursos extraordinários e especiais, que estão apresentados na emenda 199”, afirmou.
Com a reação contrária de potenciais aliados, a presidência da CCJ, exercida no momento pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), decidiu suspender a sessão às 13h38 por meia hora para que Carol de Toni refizesse seu voto e retirasse o trecho que tratava da cláusula pétrea. Isso abriu caminho para a aprovação do texto que trata apenas dos artigos 102 e 105 da Constituição.
“Reconheço que a PEC 199/2019 apresenta solução ainda mais assertiva que as demais, porque a um só tempo inibe a interposição de recursos meramente protelatórios e desafoga a carga de trabalho da Suprema Corte”, concluiu Carol de Toni, rejeitando, enfim, as propostas que mudavam cláusulas pétreas.
A alteração também buscou contornar um eventual conflito com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que defendia uma solução à prisão em segunda instância que oferecesse maior segurança jurídica, incluindo a negociada no Senado.
Lá, o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), defende que a alteração seja feita no Código de Processo Penal.
“Qualquer solução vai judicializar e vão ser mais um ou dois anos com a mesma polêmica. Então é melhor uma solução definitiva, mesmo que possa atrasar uma, duas ou três semanas”, disse Maia nesta quarta.
Apesar de ter sido solto após a decisão do STF, Lula segue enquadrado na Lei da Ficha Limpa, impedido de disputar eleições.
O ex-presidente foi condenado em três graus da Justiça sob a acusação de aceitar a propriedade de um tríplex, em Guarujá (SP), como propina paga pela empreiteira OAS em troca de contrato com a Petrobras, o que ele sempre negou.
A pena do ex-presidente foi definida pelo STJ em 8 anos, 10 meses e 20 dias, mas o caso ainda tem recursos pendentes nessa instância e, depois, pode ainda ser remetido para o STF.
Senado
Enquanto a PEC que altera artigos sobre os recursos no STF e no STJ avança na Câmara, a senadora Juíza Selma (Podemos-MT) apresentou na CCJ da Casa, nesta quarta-feira (20), o projeto redigido em parceria com o ministro Sergio Moro (Justiça).
A ideia é restabelecer a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância por meio de alteração no CPP.
O projeto de lei lido nesta manhã, costurado na noite de terça-feira (19), foi apresentado como substitutivo ao projeto protocolado pelo senador Lasier Martins (Podemos-RS) em abril de 2018.
A presidente da CCJ, senadora Simone Tebet (MDB-MS), pautou o projeto no lugar da PEC que havia sido apresentada pelo senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR).
Não há consenso sobre a viabilidade de uma PEC para garantir prisão após condenação em segunda instância porque há juristas e consultores que entendem que se trata de cláusula pétrea.
Pressionado por um grupo de cerca de 40 senadores que têm a defesa da Operação Lava Jato como uma de suas principais bandeiras, Alcolumbre deu início a uma operação para tentar um texto consensual que garantisse a prisão em segunda instância por alterações no CPP, sem mexer na Constituição.
Alcolumbre baseou sua argumentação em declarações de Moro e do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Dias Toffoli, que sinalizaram a possibilidade de se fazer mudanças infraconstitucionais.
Além disso, um projeto de lei tramita mais rapidamente e pode ser aprovado por maioria simples, tanto no Senado como na Câmara, enquanto uma PEC precisa dos votos favoráveis de 49 senadores e 308 deputados.
Mas a retomada da prisão em segunda instância por projeto de lei também não há um consenso. Por isso, a PEC apresentada por Oriovisto não será arquivada e ficará na CCJ como um plano B.
Em uma mensagem destinada a um senador à qual a Folha teve acesso, Moro reconhece que o projeto de lei pode ser impugnado no STF, mas, então, seria possível fazer nova tentativa por meio de PEC.
“Não abrimos mão da PEC 5. Ela continua na CCJ. Se o acordo não for cumprido ou se o Supremo considerar inconstitucional este projeto de lei, ela será imediatamente retomada”, disse Oriovisto durante a sessão da CCJ, marcada por provocações entre senadores contrários e favoráveis à matéria.
O projeto foi apenas lido na sessão desta quarta-feira. Houve um pedido de vista e a votação acontecerá somente na próxima semana.
Como se trata de um projeto de autoria de senador, ele é terminativo, ou seja, não precisa ir a plenário, a não ser que haja recurso, o que é esperado. Alcolumbre deve levar o texto a plenário tão logo o texto saia da CCJ.
O texto combinado entre os senadores mantém a redação atual segundo a qual ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente.
Mas, em vez de “em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”, o projeto muda a redação para “em decorrência de condenação criminal exarada por órgão colegiado ou em virtude de prisão temporária ou preventiva”.
O novo texto estabelece que, ao ser proferida condenação em segunda instância, o tribunal determinará a execução provisória das penas privativas de liberdade, restritivas de direitos ou pecuniárias, sem prejuízo do conhecimento de recursos que venham a ser apresentados.
O projeto permite que, excepcionalmente, o tribunal deixe de autorizar a prisão provisória “se houver questão constitucional ou legal relevante, cuja resolução por tribunal superior possa levar à provável revisão da condenação”.
Ou seja, seria possível que a corte decidisse não decretar a prisão imediatamente caso considerasse que existe possibilidade de a sentença ser alterada por um tribunal superior se uma das partes recorrer.
No STJ (Superior Tribunal de Justiça) e no STF, não é possível reexaminar as provas —não cabe aos ministros decidir se um réu cometeu ou não um crime.
O que essas cortes superiores avaliam é se a decisão que está sendo questionada violou uma lei federal (no caso do STJ) ou a Constituição (no caso do STF).
Desde a noite de terça-feira, senadores dizem que o texto em discussão no Senado já está acordado com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Na terça, Maia disse à Folha que ainda não havia lido o projeto, mas admitiu que o importante é “encontrar um caminho”.
Fonte: Folhapress