Embora ainda em fase de testes, o estudo de um medicamento para tratamento de obesidade tem se mostrado promissor: chamado retatrutida, ele é capaz de reduzir em um quarto o peso do paciente. Na visão de especialistas ouvidos, o remédio tem potencial de ser uma alternativa para a cirurgia bariátrica.
Curta, siga e se inscreva nas nossas redes sociais:
Facebook | Twitter | Instagram | YouTube | Koo
Sugira uma reportagem. Mande uma mensagem para o nosso WhatsApp.
Entre no canal do Revista Cariri no Telegram e veja as principais notícias do dia.
? O medicamento é muito parecido com três hormônios do nosso corpo que atuam para inibir o apetite. Aplicado por meio de uma caneta injetável, ele pode vir a se somar a outras que já estão no mercado (leia mais abaixo).
O estudo do laboratório farmacêutico Eli Lilly observou um grupo de mais de 300 pessoas que usaram a substância por um ano. Quem tomou 12 mg, a maior dosagem, perdeu 24% do peso.
? Os especialistas apontam que essa é a primeira vez que um medicamento hormonal como esse se aproxima da perda de peso da bariátrica, cirurgia que na qual o paciente chega a perder 30% do peso.
“É a molécula que trouxe a maior perda de peso. Na pesquisa, vemos que as pessoas não tinham chegado a um platô, havia chance de perder ainda mais quilos. Com isso, essa substância pode vir a substituir a bariátrica.”
Simone Lee, do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia
A pesquisa ainda passará por uma nova fase, com previsão de conclusão em 2026.
A provável chegada de mais um competidor mexe com um mercado bilionário. Na última semana de agosto, a farmacêutica Novo Nordisk, fabricante do Wegovy, Saxenda e Ozempic, destronou a francesa LVMH como a companhia listada em bolsa mais valiosa da Europa.
Como funciona a retatrutida?
A retatrutida é mais um recurso para tratar a obesidade e a diabetes, semelhante à semaglutida, a molécula mais famosa no tratamento da obesidade.
A semaglutida imita o hormônio GLP-1, que influencia nossa sensação de saciedade.
A retatrutida, no entanto, simula três hormônios:
• GLP-1: responsável pela sensação de saciedade;
• GIP: que melhora a secreção de insulina após uma refeição;
• GCG: que aumenta o nível de glicose no sangue.
Como a retatrutida age no organismo?
O GLP-1 é um hormônio secretado, principalmente, pelas células do intestino. Ele age no cérebro estimulando a diminuição do apetite. No entanto, uma enzima produzida pelo nosso organismo (a DPP4) faz com que o efeito desse hormônio passe rápido.
É aí que entra a ação do medicamento: as moléculas que simulam o GLP-1 são resistentes à enzima. Enquanto isso, os hormônios GIP e GCG interferem na insulina.
? Foi essa combinação que, segundo os especialistas, fez com que a perda de peso fosse maior que os medicamentos que já estão no mercado, além de controlar a diabetes tipo 2.
“O GCG é um hormônio que atua no fluxo contrário da insulina, para aumentar a glicose no sangue. O que a pesquisa mostrou é que, na forma como foi manipulado na molécula, o hormônio fez com que a pessoa aumentasse o gasto de energia e, assim, perdesse mais peso.”
Simone Lee
Retatrutida pode mesmo substituir a bariátrica?
A bariátrica é uma das medidas de tratamento contra a obesidade. A cirurgia muda a forma original do estômago e reduz a capacidade de receber alimento.
Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), foram feitas mais de 70 mil cirurgias em 2022 nas redes pública e privada.
O que os especialistas dizem é que, se a retatrutida mantiver nos estudos finais a mesma perda de peso, pode ser uma alternativa à cirurgia.
“A gente só tem uma perda tão grande com a bariátrica. Com o tratamento clínico, até hoje a gente não tinha tido esse resultado. Essa substância pode, sim, ser uma opção”, explica Simone Lee, diretora do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
A médica endocrinologista e metabolista Isis Toledo, que participou do congresso da American Diabetes Association (ADA) em San Diego, nos Estados Unidos, quando a Eli Lilly apresentou os estudos sobre a retatrutida, também vê essa possibilidade.
“A retatrutida tem a capacidade de ser uma alternativa à bariátrica pela perda de peso que proporciona. É um avanço importante para o tratamento.”
Isis Toledo, médica endocrinologista
Apesar disso, os especialistas avaliam que, para que seja uma realidade como a bariátrica, tratamento usado por milhares de pessoas por ano, é preciso analisar os efeitos no longo prazo e o preço.
? Efeitos colaterais: Segundo o laboratório, na pesquisa foram identificadas as seguintes reações adversas: náuseas, diarreia, vômito, aumento da frequência cardíaca, arritmia, constipação e sensibilidade na pele.
? Custo: Esse tipo de tratamento contra a obesidade precisa ser de uso constante, o que esbarra no custo.
A semaglutida, por exemplo, é vendida a cerca de R$ 1 mil cada caneta, não está disponível no SUS e precisa ser aplicada semanalmente.
No caso da retatrutida, as aplicações também terão que ser semanais.
“A molécula precisa ser de uso constante, ela é um tratamento. Em outras moléculas, a gente já percebe que o efeito quando para de tomar é a retomada do ganho de peso. Então, é promissora, mas precisamos entender qual o valor para saber se as pessoas vão conseguir usar, de forma prática, como opção à bariátrica.”
Isis Toledo, médica endocrinologista e metabolista membro da SBEM
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, Antonio Carlos Valezi, os resultados são promissores, mas concorda que é preciso observar o efeito a longo prazo.
“Eu diria que ainda é prematuro falar isso [que pode ser um substituto à bariática] porque é um estudo com pacientes por apenas um ano. A bariátrica tem 40 anos e hoje ainda é o método mais seguro e eficaz para manter a perda de peso no longo prazo com pacientes com obesidade”, explica.
O laboratório Eli Lilly disse que não há uma pesquisa comparativa com a bariátrica, mas que o medicamento promoveu uma perda de peso significativa aos pacientes.
“Embora a cirurgia bariátrica continue sendo uma opção de tratamento importante para alguns pacientes com obesidade, a retatrutida pode ajudar a fechar a lacuna de longa data entre os tratamentos farmacológicos e cirúrgicos para a obesidade”, disse em nota.
Perspectivas de mercado
As opções de tratamento para a obesidade estão crescendo. Atualmente, os dois medicamentos no modelo caneta que simulam hormônios mais conhecidos no mercado são:
• Liraglutida: é vendida como Victoza e como Saxenda. Nos dois casos, é de uso diário. A diferença é que a Victoza é focada em adultos e crianças com diabetes tipo 2 e a Saxenda para adultos com obesidade, sobrepeso ou comorbidade associada.
• Semaglutida: Aplicação semanal e indicação para adultos com diabete tipo 2. É vendida como Ozempic, disponível no Brasil, e Wegovy, ainda não disponível no Brasil.
Os dois têm alto custo e são produzidos pelo mesmo laboratório, o Novo Nordisk. Em julho deste ano, o laboratório chegou a dizer que estava ajustando sua capacidade de produção por causa da demanda mundial para a semaglutida.
O que a diretora do setor de obesidade da SBEM avalia é que novas moléculas podem melhorar esse cenário no mercado.
“Ter mais moléculas disponíveis aumenta a possibilidade de que haja uma oferta de preço mais acessível para esses medicamentos. Além disso, quanto mais terapias tivermos para atender os pacientes, melhor.”
Simone Van de Sande Lee, endocrinologista
Além da retatrutida, o laboratório Eli Lilly também tem estudado outras duas moléculas: Orforglipron e a Tirzepatida.
• Tirzepatida – atua nos receptores de dois hormônios, o GIP e o GLP-1. Os estudos mostraram que a dupla ação reduziu os níveis de açúcar no sangue e o peso. A molécula foi submetida para aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o tratamento do diabetes tipo 2.
• Orforglipron – também simula o GLP-1, mas é de uso oral. O estudo também é preliminar, mas mostrou perda de 15% do peso em nove meses. A molécula ainda depende de uma nova fase de estudo para pleitear a liberação junto aos órgãos reguladores. Ainda não há previsão de quando deve chegar ao mercado.
Fonte: g1