No sábado 26 de agosto, os descendentes de André Duarte Pinheiro e Balbina Raulina do Sacramento, de posse de uma foto do patriarca com a família, flagrada no Sítio Mocotó, em Várzea Alegre, nos anos 20 do século passado, se reuniram para, cem anos depois, agora multiplicados, repetirem a mesma fotografia histórica. Mais de quatrocentos descendentes estiveram presentes. Tantos outros, espalhados pelo mundo, não puderam comparecer, o que facilmente duplicaria os que no sábado se postaram diante da lentes de uma grande angular que quase não deu de contar de abarcar tanta gente espremida.
Não conheci Mãe Dondon e Papai André, como eram carinhosamente chamados. Soube da sua existência através de meu pai que conviveu com eles e falava da calma e tranquilidade do patriarca e da minha bisavó que, para equilibrar a balança, era sistemática e volta seca. Ela não era de muitos afagos com os descendentes mas me contaram que tinha um tempero agridoce e guardava, debaixo da preguiçosa, uma cumbuca cheia de macaúbas maduras e cheirosas para ofertar aos netos e sobrinhos que dela se acercavam. Vi essa mesma postura na sua filha, minha avó Senhorinha, doce, mas rígida e disciplinadora quando cutucada. Possuía uma arma terrível: um cocorote que saltava de suas mãos deformadas por uma artrite reumatoide que a acompanhou por muitos anos e que fazia o menino mais traquino ‘pedir penico’. Percebia-se, claramente, sua fortaleza, mesmo numa sociedade patriarcal e machista, via-se que a direção e o manche da família estava nas suas mãos.
A reunião da família numerosa, que se multiplicou em progressão geométrica nos treze filhos que o casal legou ao mundo, terminou como notícia no Diário do Nordeste e nas redes sociais. O milagre é típico de Várzea Alegre, uma cidade que se define no próprio nome. Abriga o povo mais divertido, bem humorado e irreverente do Cariri. A Terra dos Contrastes só não se contradiz no próprio nome. Tem o Carnaval mais explosivo do Sul cearense e presenteou o Brasil com gênios como Zé Clementino, Padre Vieira e o poeta popular Zé Gonçalves. E é fácil identificar um varzealegrense em qualquer parte do universo. Onde estiver estará falando o gostoso dialeto caririrês (que nunca o abandonará) , contando potoca e fazendo planos de um dia voltar para as margens do Riacho do Machado. É que ele sabe que para os descendentes de Papai Raimundo, de Mãe Dondon e Papai André a família é sempre maior, mas muito maior mesmo que a humanidade.
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC). Agraciado com a Medalha do Mérito Bárbara de Alencar
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