A vida tem sincronismos difíceis de explicar pelas simples leis do acaso e da fatalidade. Existem momentos de luminescência e de breu na história de qualquer pessoa ou de qualquer cidade. Tivemos no Crato anos como os de 1817-1824 quando o foco da História parece nos ter escolhido para reacender seu clarão. Os Anos de 1900-1903 quando o Teatro cintilou com o Grupo seminal “Romeiros do Porvir”. O Cometa fosforescente retornou com sua cauda luminosa a partir de 1965, talvez imantado por um movimento luzidio universal: os Beat, Hippie, a psicodelia, Woodstock, Maio de 68 em Paris. Coincidiu aqui, ou seguiu uma predestinação, com uma virada da política polarizada local. De início, o Jornal Vanguarda congregou estudantes locais, encabeçado por nomes como Ronaldo Correia de Brito e Assis Lima. De repente, nos arredores do Parque Municipal, então com lago, com um pequeno zoológico e um arvoredo (chamado de Bosque) se construiu a Quadra Bicentenário. Rápido, aquilo funcionou como uma força gravitacional, atraindo toda uma geração de adolescentes, para o esporte do momento: o Futebol de Salão. O que antes era um reduto da meninada que residia nos arredores, a famosa Turma do Parque, ganhou a adesão de outras de toda a cidade. Algumas aguerridas como a da Pedro II (Turma da Paulada), a da Nelson Alencar, a da Rua da Vala. A aproximação de tantos meninos, agora com uma atração comum, o futebol, fez com que os embates se transferissem para a Quadra. E, junto, cada um trouxe suas outras habilidades e preferências: o Cinema, a Poesia, a Leitura a Música, a Prosa, as Artes Plásticas. Tantas faíscas juntas fizeram com que um novo Big-Bang acontecesse e a Turma estendeu seus horizontes bem para além dos muros do Praça Alexandre Arraes.
Começaria ali um dos períodos mais profícuos da Cultura caririense. Um movimento contracultural que vinha oxigenar o Cariri, trazendo um modo novo de ver e expressar o mundo. Essa efervescência redundou nos Festivais da Canção dos Anos 70, nos Salões de Outubro, no Grupo de Artes Por Exemplo, no Jornal Folha de Pequi e, depois, imantou os Festivais “Chama”. Revelou, entre tantos, nomes como Abidoral Jamacaru, Luiz Carlos Salatiel, Zé Roberto, Obert, Paulinho Chagas, Rosemberg Kariri, Jackson Bantim, Pachelly Jamacaru e o poeta mais icônico destes anos fabulosos: Geraldo Urano. Muitos foram tocados definitivamente pela Arte e ainda hoje continuam em plena atividade influenciando diretamente as gerações que se seguiram. A energia emanada pela Turma do Parque mudou completamente os rumos culturais do Kariri, ela foi a nossa Semana de Arte Moderna, um revival, 75 anos depois, da Padaria Espiritual. Neste sábado (15), a Trupe se reuniu novamente no 1º Encontro Poético-Musical-Artístico da Turma do Parque, num momento em que se comemora, também, os 70 anos de Geraldo Urano que partiu em sua nave estelar em 2017. Contaram como de suas chispas desencadearam o incêndio que incinerou antigas verdades e fez brotar das cinzas um novo bosque. E mais, como o curto circuito conseguiu iluminar múltiplos caminhos, esquecendo seu destino de escuridão.
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC). Agraciado com a Medalha do Mérito Bárbara de Alencar
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