O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, diz na decisão em que determinou busca e apreensão contra Jair Bolsonaro (PL) que a suposta fraude no cartão de vacinação do ex-mandatário era central para manter a coerência da campanha de desinformação contra imunizantes da Covid.
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Essa é a justificativa do magistrado para ele mesmo ter decidido sobre o pedido da Polícia Federal contra Bolsonaro: a conexão entre o inquérito das milícias digitais, do qual é relator e apura a disseminação de notícias falsas nas redes sociais, inclusive sobre os imunizantes, e o esquema para inserção de dados falsos sobre a vacinação do coronavírus no sistema do Ministério da Saúde.
O argumento de Moraes é contestado por um grupo de advogados criminalistas. Isso porque as provas relativas à suposta fraude foram encontradas a partir da quebra de sigilo do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, devido a movimentações suspeitas identificadas na conta bancária dele no âmbito do inquérito que apura o vazamento de uma investigação da PF sobre um ataque hacker no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Nos bastidores, o ministro afirma, ainda, que este caso da vacina trata da mesma associação criminosa do caso das milícias digitais.
Especialistas em direito criminal entendem que, nesse caso, Moraes se deparou com o chamado encontro fortuito de provas. Nessas situações, quando não há uma vinculação direta entre o crime inicialmente investigado e o outro suposto delito identificado, é necessário que a nova apuração seja encaminhada a um novo juiz.
Assim, há uma ala de especialistas que entende que é uma interpretação expansiva de Moraes afirmar que a existência de um gabinete do ódio para disseminar fake news no antigo governo justifica que o relator do caso também seja responsável por apurar fraude em documentos de vacinação.
Nos bastidores, ao menos três ministros do STF compartilham dessa visão. No entanto, reservadamente dizem que é praticamente impossível que o plenário da corte reverta a decisão do ministro.
Isso porque Moraes tem sido respaldado pela maioria dos colegas em investigações similares, inclusive nas mais polêmicas, como nos casos em que o ministro ignorou a PGR (Procuradoria-Geral da República) e tomou decisões de ofício (sem ser provocado) —o que é incomum no Judiciário.
No pedido formulado contra Bolsonaro, a Polícia Federal afirmou que o novo delito encontrado deveria ficar sob responsabilidade do mesmo ministro.
“Percebe-se que a estrutura criminosa criada no município de Duque de Caxias (RJ) foi utilizada para propiciar que pessoas do círculo próximo do ex-presidente pudessem burlar as regras sanitárias impostas na pandemia da Covid-19 e por outro lado, manter coeso o elemento identitário do grupo em relação a suas pautas ideológicas, no caso, sustentar o discurso voltado aos ataques à vacinação”, afirma a corporação.
Assim, conclui a PF, “a recusa em suportar o ônus do posicionamento contrário a vacinação, associada à necessidade de manter hígida perante seus seguidores, a ideologia professada (não tomar vacina contra a Covid-19), motivaram a série de condutas criminosas perpetradas”.
O chamado inquérito das milícias digitais é desdobramento de uma outra investigação, batizada de inquérito dos atos antidemocráticos, que tinha sido aberta no Supremo em 2020 para apurar a organização e financiamento de manifestações bolsonaristas pelo fechamento de Poderes em Brasília.
Em 2021, o primeiro inquérito foi arquivado, mas Moraes decidiu abrir outro para apurar a existência de organização criminosa de atuação online também com fins antidemocráticos —as milícias.
O advogado André Kehdi, ex-presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), afirma que o Judiciário precisa ter cuidado ao estabelecer a prevenção em processos, termo usado para justificar a atração de relatoria de um juiz mediante a identificação de um novo crime.
“Em tese, quando há encontro fortuito de provas e ele diga respeito a um fato completamente isolado daquele inicialmente investigado, o que a orientação jurisprudencial diz é que esse novo fato deve ser investigado num novo procedimento e, portanto, em princípio é razoável que se faça livre distribuição do caso”, afirma.
O advogado criminalista e mestre em direito criminal Ruiz Ritter segue a mesma linha. “Fato é que o próprio STF já decidiu anteriormente, analisando outro meio de investigação de provas (colaboração premiada), que o encontro ‘fortuito’ de provas não fixa a competência da autoridade judiciária que determinou a medida originária da descoberta do elemento de prova relacionado a fato diverso daquele inicialmente investigado por critério de prevenção”, diz.
Ritter também fala sobre a jurisprudência do Supremo em relação à prisão preventiva, que foi decretada contra Cid.
“A decretação de prisão preventiva, também consolidada na jurisprudência da Corte, diz respeito à presença do requisito da contemporaneidade para tal decisão extrema, devendo haver efetiva demonstração de que mesmo com o transcurso do tempo desde a suposta prática ilícita continuam presentes os pressupostos residuais da respectiva medida cautelar.”
Fonte: Folhapress