Cresolino Quero-Quero tomou um supapo danado quando recebeu a intimação do juiz. Audiência marcada para dois meses depois de assinar o AR daquela fatídica carta que lhe chegou pelas mãos do Oficial de Justiça. Buscou os óculos bifocais para poder soletrar as palavras da missiva. Só, então, lhe caiu a ficha: era um processo de verificação de paternidade impetrado por uma tal de Minervina do Nascimento. O sobrenome dessa peste, pensou com seus botões, já era quase uma profecia, eu devia ter desconfiado! A raiva, no finalzinho, foi substituída pelo medo: assinava o ofício o Juiz Godofredo Justo da Silva, um sobrenome, também, meio premonitório. Quero-Quero lembrou da fama do chefe da Vara da Infância e Adolescência: cabra chegado mais aos “finalmente” e menos aos “vamos ver”. Direto, claro, sem querequequé ele que gostava mais de criança do que gripe, sarna e bicho do pé.
Cresolino, rápido, fez uma retrospectiva das cenas típicas do ramo de turismo e entretenimento e que, nestes casos, geralmente começam em motel e terminam em pensão. Tinha uma lojinha de vender produtos importados da China. Beirando os sessenta, era um ex-casado convicto, desses que dizem que matrimônio, como sarampo, só acomete o indivíduo uma vez, isso se ele escapar. Minervina trabalhava, como balconista, numa farmácia defronte à Wuhan Importações de Quero-Quero. E foi, justamente, na compra periódica do remédio de pressão, que rolou um clima entre os dois. Conversa vai, conversa vem, curruchiado daqui, quiriquiqui dacolá, uma Minervina desimpedida terminou caindo na rede já meio esburacada do comerciante. Passado um ano de rala-e-rola, sem promessa de um contrato mais claro, Minervina, sorrateiramente, suspendeu o anticoncepcional. Dois meses depois avisou a Cresolino que ele ia ser pai. Quero-Quero se sentiu traído e, a partir dali, ao invés de assumir, resolveu sumir. A buchuda tentou , de toda maneira, estabelecer algum contato: nada! O menino veio a furo, já estava com dois anos sem conhecer papá e foi neste momento que a mãe solteira buscou as barras do tribunal e foi empurrar a porta do Dr. Godofredo. Dali para a intimação foi rápido como o Satanás quando esfrega o olho.
Cresolino chegou na sala de audiência com aquela sensação de gato que vê Mastim Napolitano. De um lado da mesa uma Minervina ciente dos seus direitos, com Cresó Júnior no colo. Na cabeceira, um Godofredo empertigado, sem tempo a perder. Foi direto ao assunto, ouviu a requerente que contou toda sua história sentimental com Quero-Quero até ele fazer bunda de ema e desaparecer ao saber da reação adversa do remédio em gel que Cresolino lhe aplicara: um bucho. Godofredo, então, voltou-se para o acusado e começou o “cerca-lourenço”. Avisou logo que já havia o depoimento de mais de vinte testemunhas sobre a vida comum deles dois. Perguntou-lhe se a conhecia, ele não pode negar: sim. Quis saber se tiveram um relacionamento, o jeito foi confirmar, já que era público. O juiz, então, perguntou se ele confirmava a paternidade do rebento. O comerciante desconversou: podia ser, mas como ter certeza? Acusou que Minervina, na farmácia, passava remédios e unguentos não só para ele, mas para muitos outros clientes, bastava pagar um pouco acima do preço de tabela. Godofredo, então, embrabeceu.
— Você teve ou não teve relação sexual com essa mulher, rapaz?
Um Cresolino acuado, trêmulo, balbuciou:
— Tive, tive, seu juiz! Mas eu juro, pela alma da mãe dela, eu tava lombrado, foi sem querer!
Godofredo, voltou-se para o escrivão e lavrou a sentença. Escreva aí:
— O meliante fica sentenciado a pagar uma pensão mensal de dois salários mínimos ao menino Cresó Júnior e de três salários mínimos para D. Minervina, registrar o rebento em cartório como seu filho legítimo, e, desta vez: querendo ou não querendo! E mais: pode continuar tomando seus ligantes: você vai precisar!
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC)
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