Antigamente, no Cariri, quando se falava em obras intermináveis, a citação óbvia era a Igreja do Horto, em Juazeiro do Norte. Hoje, a referência mudou: quando alguém não deseja realizar uma tarefa, basta dizer:
– Faço quando reformarem o Museu do Crato!
Realização entendida como devidamente chutada para o Dia de São Nunca. Inaugurado em 1972, o Museu de Artes Vicente Leite comemorou seu cinquentenário, ano passado, de forma sombria e nebulosa: de portas fechadas e de acervo encarcerado. Triste fim de uma obra que foi o sonho de Mecenas caririenses como Bruno Pedrosa, João Pierre e Sinhá D´Amora. Todo esse descaso crônico que já envolve cinco gestões municipais, acontece numa vila que um dia já se arvorou de “Cidade da Cultura”.
Entregue para administrações com pouca sensibilidade artística e cultural, sem um controle maior de um conselho consultivo e a cargo da Fundação J. de Figueiredo Filho que, na maior parte de sua existência, tem funcionado como mero cabide de emprego; o Museu Vicente Leite viu-se inativado por mera falta de manutenção em suas estruturas: queda de parte do teto e a deterioração do seu piso em tablado original. Casa fechada, como todos sabemos, é oficina do diabo. Parte do acervo foi simplesmente surrupiado e há relatos de quadros enfeitando casas particulares de nossa região. E o Museu conta com uma pinacoteca invejável e de valor incalculável com peças de Pedro Américo, Reis Carvalho, Vicente Leite, Sinhá D´Amora, Sansão Pereira, para citar apenas alguns. Hoje, tudo que sobrou encaixotado, como uma Bela Adormecida esperando um príncipe eunuco.
Em 2020, o Instituto Cultural do Cariri encetou uma grande campanha para reabertura do Vicente Leite. Vários artistas importantes deram depoimento sobre o primeiro encantamento com as Artes ao visitar a instituição: poetas, cineastas, escritores, músicos. Alguns disseram que foi ali que o Santo baixou e os fez voltarem-se para a Arte como missão e vocação. E, sobretudo, lembraram-se da importância do Museu na educação artística de gerações de caririenses, uma região mágica onde os artistas brotam como as folhas na chapada. Um grande esforço foi feito, junto ao poder público, pela reforma e reabertura. Infelizmente, barreiras burocráticas têm entravado continuamente o sonho. O que leva a se pensar que, simplesmente, o Museu não é prioridade. Traduzindo: não traz o tim-tim de moedas aos cofres e nem rende votos.
Sem cinemas, sem uma biblioteca púbica que mereça esse nome, sem jornais circulantes, sem museu, sem teatro, sem salas de exposições, com um Centro Cultural Araripe totalmente esvaziado, que fizemos da vocação natural do Crato? Em que buraco terá se enfiado a Cidade Modelo do Ceará? Se alguém encontrá-la por aí, perdida em alguma entoca, em algum cuvioco, por favor avise que será nem gratificado.
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC)
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