Anda o mundo pleno de ondas migratórias. O noticiário dá manchetes de onças, cangurus, ursos jacarés invadindo cidades e quintais. A civilização está acabando com as florestas, esfacelando a Cadeia Alimentar, e a fome os leva às vilas em busca de sobrevivência. Com os homens não é diferente. Vemos, a todo instante, a fuga de ucranianos, de sírios, de povos africanos, sul-americanos, tentando escapulir para outros países, na busca de paz, de emprego, de comida. Colonizadores, ao longo da história, sugaram muitos dos recursos naturais de países do terceiro mundo e, expropriados, como os animais da floresta, é preciso migrar. A recepção, em qualquer um dos casos, é a mesma. Vistos como inimigos, como feras perigosas, são caçados e muitas vezes devolvidos à tragédia original. O Papa Francisco já definiu bem esta questão: “Somos todos imigrantes, ninguém tem morada fixa nesta Terra”. Todos brasileiros, se repararmos bem, são migrantes: negros vieram da África, brancos da Europa e até mesmo nossos povos originários, tiveram que migrar um dia da Ásia, atravessar o Estreito de Bering, para chegar até aqui.
Os xenófobos esquecem este nosso destino de aves de arribação. Mesmo dentro de um mesmo país, sulistas perseguem nordestinos, a escravidão permanece com novas nuances, há preconceitos vários contra negros, pobres, gays, mulheres. Descendentes de alemães, italianos, poloneses, japoneses, chegados aqui há pouco mais de cem anos, também em ondas migratórias, bem acolhidos, muitas vezes se tornam algozes dos novos retirantes. Desejam uma reserva de mercado, cobram uma prioridade racial. Quando Trump gritava: “A América para os americanos”, esquecia que seus ascendentes vieram da Escócia, da Alemanha e da antiga Tchecoslováquia. Os únicos americanos de raiz, talvez fossem os índios que um dia, também, escapuliram da Ásia.
A Ciência tem mostrado que toda a raça humana nasceu no continente mais pobre da Terra: a África. Não há motivos para orgulho, empáfia, arrogância. Talvez a única diferença entre os migrantes seja aquela que definiu Érico Veríssimo: uns viajam para fugir e outros para buscar. Os que hoje se acham sedentários por meras circunstâncias, devem acolhê-los. Eles fazem parte do mesmo bando, do mesmo destino de fugir e buscar. Foram iguaizinhos a nós ontem ou o serão amanhã.
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC)
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