Se essa rua fosse minha, abriria de silêncio e a fecharia para escutar o vento e os pássaros. Aqui faz barulho. As músicas brigam. Os cachorros não descansam e, à noite, a gatalhada se ama nas alturas. Não dá tempo para se escutar. Ao ler um livro, o som esbarra no entendimento das palavras.
A rua não é minha. Escuto um jazz para distrair o barulho, no fundo, vozes de crianças celebram suas brincadeiras. Chupetinha, a velha louca, bêbada e solitária canta para encontrar companhia, as crianças se divertem. O carro com som volante anuncia um bingo, enquanto a furadeira do vizinho perfura as paredes.
Na calçada, homens e mulheres riem narrando a vida alheia. Dentro da casa, a família chora o assassinato do filho.
A polícia grita com a jovem preta e espanca o seu namorado que tem menos de 18 anos. A população grita por dentro e silencia por fora.
Como essa rua não é minha, aprendi a escutá-la e sentir como nossa. Percebo que ela é mais silenciosa que os gritos contra a impunidade.
Por Alexandre Lucas. Pedagogo, artista, educador e integrante do Coletivo Camaradas
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri