Oito meses depois de ser exonerado do gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio, o ex-policial Fabrício Queiroz continua sendo consultado sobre nomeações no Legislativo e admite ainda ter “capital político”. O Globo obteve um áudio de WhatsApp, de junho deste ano, no qual o ex-assessor sugere a um interlocutor como proceder para fazer indicações políticas em gabinetes de parlamentares.
Procurado pelo O Globo, Queiroz admitiu, por nota, que mantém a influência por ter “contribuído de forma significativa na campanha de diversos políticos no Estado do Rio de Janeiro”. Por nota, Flávio Bolsonaro negou que tenha aceitado indicações do ex-assessor e que mantenha qualquer contato com ele desde o ano passado.
Queiroz é investigado pelo Ministério Público do Rio por suposta prática da rachadinha — quando os servidores comissionados devolvem parte dos salários. Ele esteve no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio entre 2007 e 2018 e, no período, emplacou sete parentes na estrutura.
Em conversa por áudio via WhatsApp do início de junho, Queiroz debate com um interlocutor a situação de cargos que podiam ser usados por aliados no Congresso. No diálogo, ele sugere que as indicações poderiam ser feitas por meio de comissões ou em gabinetes de outros deputados e senadores, e não apenas em cargos vinculados à família Bolsonaro.
— Tem mais de 500 cargos, cara, lá na Câmara e no Senado. Pode indicar para qualquer comissão ou, alguma coisa, sem vincular a eles (família Bolsonaro) em nada — diz Queiroz, no áudio, para depois complementar: — 20 continho aí para gente caía bem pra c**.
Na conversa, Queiroz descreve o gabinete de Flávio no Senado como um lugar muito demandado por parlamentares. Em maio, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Flávio alegou não saber o paradeiro de Queiroz e justificou:
— Ele tem um CPF e eu outro — disse o filho do presidente.
No áudio obtido pelo O Globo, Queiroz demonstra conhecer o funcionamento do gabinete do senador e sugere que o interlocutor poderia procurar parlamentares que frequentam o local para tratar de nomeações.
— O gabinete do Flávio faz fila de deputados e senadores, pessoal para conversar com ele, faz fila. Só chegar lá e nomeia fulano aí para trabalhar contigo aí, salariozinho bom desse aí para a gente que é pai de família, cai como uma uva — diz Queiroz, no áudio.
Nomeações na Alerj
Em depoimento, por escrito, entregue ao Ministério Público do Rio em 28 de fevereiro deste ano, Queiroz disse que tinha uma função que “se assemelhava a do chefe de gabinete” e que “tinha a possibilidade de nomear assessores”. No entanto, segundo ele, atuava para “gerenciar as questões relacionadas à atuação dos assessores fora do gabinete do deputado”. Por isso, os funcionários devolviam parte dos salários para ele, o que permitiria supostas contratações de pessoas que não atuavam na Alerj e sim na “base”.
Queiroz se comprometeu a entregar a lista desses funcionários, mas, até o momento, isso não ocorreu. Essas contratações não seguem as regras da Assembleia. Como revelou O Globo em agosto, Queiroz conseguiu nomeações para sete parentes no gabinete de Flávio. Esse número inclui a mulher, duas filhas, a enteada, uma ex-cunhada, entre outros familiares.
Além disso, ele admitiu ser o responsável pelas contratações de Danielle Nóbrega e Raimunda Veras Magalhães no gabinete de Flávio Bolsonaro, quando este era deputado estadual. Elas são, respectivamente, ex-mulher e mãe do ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega – investigado por ser o líder de uma milícia que atuava na zona oeste do Rio. Danielle ficou nomeada ao longo de dez anos e foi exonerada junto com a ex-sogra em 13 de novembro de 2018.
Em 6 de dezembro do ano passado, conforme O Globo mostrou, Queiroz comunicou por Whatsapp a Danielle que ela fora exonerada do gabinete dias antes porque ambos passaram a ser alvo de uma investigação. As apurações sobre rachadinha envolvendo o então deputado estadual começaram a partir de um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que apontou movimentações financeiras de R$1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017.
Dez dias depois da conversa, Queiroz foi para São Paulo iniciar um tratamento de câncer. Ele faltou a todas as convocações do MP e prestou apenas um depoimento por escrito, em fevereiro, no qual admitiu que ficava com parte dos salários dos servidores para supostamente efetuar outras contratações. Depois disso, passou oito meses sem ser visto. Em agosto, a revista Veja divulgou fotos suas no Hospital Albert Einstein, onde faz o tratamento.
Em abril, todos as pessoas que foram funcionários de Flávio na Alerj tiveram o sigilo quebrado em investigação do MP do Rio. O caso, porém, está atualmente suspenso após decisões dos ministros do STF Dias Toffoli e Gilmar Mendes e só será retomado em novembro quando a Corte decidirá sobre o compartilhamento de dados de órgãos de fiscalização como a Receita e o Coaf com investigadores.
Transcrição do áudio de Fabrício Queiroz
Tem mais de 500 cargos lá, cara, na Câmara e no Senado. Pode indicar para qualquer comissão ou, alguma coisa, sem vincular a eles (família Bolsonaro) em nada, em nada.
20 continho aí para gente caía bem para c***, meu irmão, entendeu?
Não precisa vincular ao nome. Só chegar lá e, pô cara, o gabinete do Flávio faz fila de deputados e senadores, pessoal para conversar com ele, faz fila.
Só chegar lá e, pô meu irmão, nomeia fulano aí para trabalhar contigo aí, salariozinho bom desse aí, cara, para a gente que é pai de família, cai como uma uva.
Nota de Flávio Bolsonaro
Por nota, o advogado Frederick Wassef que atua na defesa de Flávio Bolsonaro disse que “não é verdade e não procede o que está sendo alegado na suposta gravação que não sei se é Fabrício Queiroz quem fala ou outra pessoa”. Além disso, segundo ele, “Fabricio Queiroz e Flávio Bolsonaro jamais se encontraram desde o ano passado. Nunca mais se viram ou se falaram. Jamais neste período, não existe, neste período, qualquer indicação de aproximação ou trabalho de Fabricio Queiroz para Flávio”. Wassef diz que “a gravação deveria passar por perícia da Polícia Federal para garantir sua autenticidade, a comprovação de que é Fabrício Queiroz e que não houve edição ou retirada de contexto da referida gravação”.
Nota de Fabrício Queiroz
Por nota, Fabrício Queiroz disse que “vê com naturalidade o fato dele ser uma pessoa que ainda detenha algum capital político, uma vez que nunca cometeu qualquer crime, tendo contribuído de forma significativa na campanha de diversos políticos no Estado do Rio de Janeiro”. Desse modo, “a indicação de eventuais assessores não constitui qualquer ilícito ou algo imoral, já que, repita -se, Fabrício Queiroz jamais cometeu qualquer ato criminoso”.
Fonte: O Globo