No domingo, dia 9 outubro, a embalagem da maioria dos alimentos vai estar de cara nova. Haverá mudanças na tabela nutricional e a parte frontal ganhará um selo quando o produto tiver alto índice de açúcar adicionado, gordura saturada ou sódio.
Curta e siga nossas redes sociais:
Sugira uma reportagem. Mande uma mensagem para o nosso WhatsApp.
Entre no canal do Revista Cariri no Telegram e veja as principais notícias do dia.
O excesso desses componentes está associado ao aumento de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes e obesidade. Por isso, a Opas (Organização Panamericana de Saúde) e outras autoridades do setor vêm defendendo há anos o destaque de informações assim.
O Chile foi o primeiro país da América a se alinhar a essas demandas, em 2016. Lá, os produtos com excesso dos chamados nutrientes críticos levam um octógono preto como alerta. O Canadá, o Uruguai, o Peru e o México aderiram a estratégias similares. Agora, chegou a vez do Brasil.
De cara nova
As mudanças no rótulo vão ocorrer de três formas:
1. Tabela nutricional
Ela indica o valor energético do produto em quilocalorias (kcal) e quilojoule (kj). Também dá a quantidade de carboidratos, proteínas, gorduras, sódio e, em alguns casos, de micronutrientes como vitaminas e zinco, apresentados em gramas (g) ou miligramas (mg).
Antes, a tabela nutricional tinha só duas colunas. A primeira indicava o teor de nutrientes presentes em uma porção determinada pelo fabricante. A segunda, o percentual nutritivo daquela porção com base em uma dieta diária de 2 mil calorias, o chamado valor diário de referência, lembra Adriane dos Santos da Silva, nutricionista do Hospital Adventista Silvestre.
Agora, a tabela ganha também uma coluna com o valor nutricional baseado em uma porção padronizada: 100 ml (no caso de líquidos) e 100 g (para sólidos).
2. Rotulagem frontal
A parte superior frontal do rótulo terá o ícone de uma lupa quando a quantidade de açúcar adicionado, gordura saturada e sódio presente em 100 g ou 100 ml for superior à recomendada pela Anvisa.
3. Alegações nutricionais
Alegações nutricionais são selos que apontam características positivas do alimento. Por exemplo, “30% mais cálcio”, “Livre de gordura trans” e “Rico em vitamina C”. Assim como ocorria antes, elas serão voluntárias, mas, agora, deverão seguir critérios um pouco mais rigorosos:
• Se o alimento tiver lupas, a alegação nutricional não poderá ocupar a parte frontal superior;
• Alimentos altos em açúcar adicionado não podem ter alegação nutricional relativa a açúcares;
• Alimentos com rotulagem frontal de gordura saturada não podem ter alegação nutricional para gorduras totais, saturadas, trans e colesterol;
• Alimentos com rotulagem frontal de sódio não podem ter alegações de sódio ou sal.
“A atenção a esse ponto é bem importante. Muitos produtos são vendidos como saudáveis, mas levam uma densa carga de aditivos danosos. As mudanças vão amenizar esse tipo de contradição “, argumenta a nutricionista Kely Szymanski, especialista em nutrição e doenças cardiovasculares, diabetes e obesidade e integrante do Conselho Regional de Nutricionistas do Rio Grande do Sul.
Debate antigo
Foi em 2003 que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) criou o primeiro regulamento técnico sobre rotulagem de produtos nutricionais embalados no país. Apesar de representar um avanço para o setor e o texto ter sido complementado por outras resoluções ao longo dos anos, o órgão viu a necessidade de mudanças mais substanciais frente à insatisfação dos consumidores, ainda confusos no supermercado. Era preciso aprimorar os padrões.
Então, em 2014, reuniu autoridades e pesquisadores do setor de alimentos para debater o assunto. Em 2019, após muitas discussões, abriu uma consulta pública e colheu opiniões também da sociedade civil. Foram mais de 82 mil contribuições. Analisando essas propostas, estipulou um novo modelo de tabela nutricional e instituiu a rotulagem frontal no estilo “Alto em”, que indica se o produto possui alta concentração de nutrientes críticos.
A Anvisa definiu a quantidade aceitável de cada nutriente crítico e, quando um produto ultrapassar essa linha de corte, vai receber um selo com uma lupa na metade superior frontal indicando a alta concentração do componente.
E aí, como fica?
Rotulagem frontal
A partir do dia 9 de outubro, todos os novos lançamentos de produtos enviados pelos fabricantes aos pontos de venda devem vir com essa rotulagem frontal:
Tabela nutricional
O quadro deve estar próximo da lista de ingredientes e ter fundo branco, letras pretas e fonte padrão, prevenindo problemas de legibilidade. São obrigatórios:
Prazos para a mudança
As decisões foram divulgadas em 2020, quando a Anvisa publicou a Resolução 429, formalizando as definições do órgão, e a Instrução Normativa 75, detalhando como seriam as mudanças na prática. Ficou determinado que a partir do dia 9 outubro de 2022, a maioria dos produtos lançados deveria estar de acordo com as novas regras.
A exceção são as bebidas não alcoólicas com embalagem retornável, produtos artesanais, alimentos fabricados por agricultor ou empreendedor familiar rural, empreendimento econômico solidário, microempreendedor individual e agroindústria de pequeno porte. Esses terão maior prazo de adequação.
A tabela de informação nutricional não é obrigatória para:
• bebidas alcoólicas;
• água e gelo destinados ao consumo humano;
• vinagres, frutas, vegetais e carnes sem valor nutricional extra;
• alimentos embalados por estabelecimentos a pedido do consumidor;
• itens fracionados nos pontos de venda;
• produtos com embalagens de superfície visível para rotulagem menor ou igual a 100 cm².
Consenso difícil: por que lupas?
Houve muito debate até que a Anvisa optasse pelo ícone de lupa no rótulo frontal. O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), por exemplo, desenvolveu, em parceria com a UFPR (Universidade Federal do Paraná), alertas em forma de triângulos pretos, associados a precaução e cuidado, assim como o tetraedro chileno. Já a Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos) sugeriu a inserção de semáforos cujas cores indicariam tanto o excesso quanto o baixo teor de nutrientes nocivos.
Uma pesquisa que avaliou o efeito dos modelos do Chile, da Anvisa e do Idec constatou que o octógono e triângulo foram mais eficazes do que o modelo da agência sanitária, com lupas, possivelmente porque as formas geométricas transmitem melhor uma noção de alerta. De qualquer modo, o estudo apontou que, independentemente do formato, a presença do selo é melhor do que a ausência dele.
Impactos de longo prazo
Mas será que, com as mudanças, o brasileiro vai mesmo comer menos açúcar, sódio e gordura? A nutricionista Elaine Moreira acredita que sim. Entretanto, defende a importância de se enxergar as novas normas como aliadas de um cardápio equilibrado, não como prescrições alimentares. “A ideia é muito mais ajudar em escolhas conscientes do que dizer o que você deve ou não comer”, diz a especialista, que é pós-graduada em nutrição e doenças crônicas pelo Hospital Israelita Albert Einstein.
Ao menos se seguirmos o exemplo do Chile, não só os hábitos alimentares podem mudar, mas também o comportamento dos fabricantes. Após 2016, o país latino reduziu em 23,8% o consumo de itens altos em calorias; em 26,7% o dos ricos em açúcares; e em 36,7% o daqueles com alta concentração de sódio, conforme mostra uma pesquisa publicada no The Lancet. Com isso, a indústria também tem se adaptado: em 2018, por volta de 20% dos alimentos vendidos no Chile foram reformulados, segundo um levantamento do The New York Times.
João Dornellas, presidente executivo da Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos), prevê algo parecido no Brasil. “Se eu tenho um produto alto em sódio e o meu concorrente não tem lupa no rótulo, vou chamar todos meus engenheiros para repensarem minha fórmula, claro. É uma concorrência saudável”, exemplifica.
Medidas combinadas
Mesmo que os ajustes do rótulo sejam vistos de forma positiva, ainda há muito o que se caminhar em prol da redução de doenças crônicas e escolhas mais conscientes no supermercado.
A nutricionista Fabiana Fontes, da Clínica Reviva, de Fortaleza (CE), cita como exemplo as restrições à publicidade infantil. Segundo um plano de ação publicado pela Opas, em 2014, para prevenir a obesidade em crianças e adolescentes na América Latina, a ideia poderia complementar o potencial de medidas como a rotulagem frontal. “Por isso, não podemos descansar. O ideal é combinar propostas para avançarmos cada vez mais em alimentação saudável”, reforça.
Fonte: VivaBem/UOL