Era véspera de feriado, destes que são facultativos e a adesão é quase nada, mas ele queria está livre no dia seguinte para aproveitar com o seu filho. Homem moderno, divorciado, no acordo de guarda compartilhada ficara com os fins de semana e feriados. A semana era muito cheia, a correria laboral consumia todo o seu tempo, responsável, dedicava-se ao filho aos sábados e domingos, durante o dia, à noite, nas quais todos os gatos são pardos, saía às baladas em busca de algumas horas de diversão com a turma.
Mas era meio de semana, e havia trabalho em casa. Era um destes profissionais que além das horas de labuta in loco no emprego, ainda tinha que levar algumas atividades para casa. Mergulhou fundo em suas atividades, pois, tinha uma meta: pela manhã queria tudo pronto para, livre, sair com seu filhote a algum clube, para um lazer pai e filho.
Enquanto realizava sua atividade, sentado numa cadeira à sua mesa de trabalho no pequeno escritório, onde os grandes autores da antiguidade para cá o observavam da estante. Quantas noites, não teve como companhia Sócrates, Platão, Aristóteles, Marx, Hegel e tantos outros. Era um leitor voraz que consumia quase que diariamente ao longo de sua vida, além de Filosofia, o melhor da literatura de todos os tempos.
Ele ia realizando seu trabalho e não dava conta do tempo, que parecia parado para que ele pudesse concluir sua missão. De repente, parou um pouco, foi até a geladeira, pegou uma cerveja, colocou em um copo, tomava, aliviando um pouco o calor, ou a tensão daquela tarefa que realizava. Parou um instante e resolveu voltar à ação, tomando a cerveja enquanto a fazia.
De vez em quando, a cada fração de tempo que ele não sabia quanto, ia até a geladeira e pegava uma cerveja. Por alguma razão que ele desconhecia, aquela cerveja não lhe alterava o semblante, fosse numa festa já estaria alto, contudo, o nível de tensão ante a atividade laboral não abalava o seu status quo inicial de concentração, a sensação era de que aliviava apenas o calor, seria a tal da cerveja zero álcool?
Olhou para os pacotes em cima da mesa e percebeu que o trabalho evoluíra bem, possivelmente ainda poderia dormir algumas horas até o telefone tocar e uma voz de mulher perguntar se ele já estava vindo pegar o pequeno.
Continuou o trabalho para que o pensamento se confirmasse, mais uma cerveja, já estava na oitava garrafa de long neck, há um mês lera um artigo sobre a precaução do câncer de próstata pelo consumo moderado de cervejas à base do puro malte. Desde então dava preferência àquelas cervejas.
Terminara a primeira etapa do trabalho, aquele pacote imenso, chegara ao fim, considerou que o trabalho andara rápido, mas era preciso fazer os registros dos resultados um a um, aquelas longas listas, segmentadas por níveis. Mas o trabalho evoluíra e o planejado daria certo.
Iniciou esta etapa com certa atenção, não poderia cometer nem um equívoco, qualquer vacilo colocaria tudo ao retrabalho, e isto ele não queria. Concluído o primeiro pacote, seguiu o segundo, o terceiro… Ele iniciava o oitavo pacote quando o estado de sonolência dera o primeiro sinal, ainda faltavam três pacotes. Ia já na décima terceira cerveja. O artigo dizia que duas taças por dia era suficiente para prevenir o câncer de próstata.
O estado de sonolência dera lugar ao de euforia, e ele se alegrou muito porque terminaria aquela etapa certamente antes do planejado, nem precisaria olhar as horas. Novamente a sensação de sono voltou, mas ele precisava terminar aquela etapa.
Os nomes começavam se embaralhar nas planilhas, os valores do senhor Marcos Levi dos Santos foram parar nos de Gustavo Ferreira Lima; o que nosso amigo avaliou como aceitável, já que se tratava de clientes semelhantes, muito embora, este fosse menos assíduo nos compromissos.
Céus, terras e mares se encontraram, e houve um profundo silêncio! Sobre a mesa papéis espalhados, o celular descarregara. E o silêncio imperou naquele escritório. O trabalho fora concluído à revelia da razão, era preciso. Nosso herói foi envolvido por Morfeu, e a poltrona, sonho de consumo de nosso amigo, Adquirida em dez suaves prestações pela primeira fora usufruída com vontade.
De repente, batidas fortes no portão, alguém já estava em cima do muro e pretendia pular quando nosso amigo torna do sono profundo e vai saber o que está havendo. Ninguém tem sossego, não se pode mais descansar em sua casa após tanto trabalho. Precisava acordar cedo para ir buscar o filho para o dia de lazer.
Em cima do muro, o diretor da escola fala num misto de preocupação e alívio: professor, ficou todo mundo preocupado! O senhor não apareceu na escola, ligamos e ninguém atendeu. Sua ex depois ligou para a escola dizendo que não foi ontem buscar seu filho como de costume, ligou para você e o senhor não atendeu. Ficamos preocupados e viemos saber por que não foi à escola.
Ele escutou aquela fala com estranheza. Só podia ser brincadeira. Pediu um instante e voltou para dentro de casa. Em cima da mesa, vinte e quatro long necks, doze pacotes de provas, doze listas de frequências e notas sobre a mesa. O trabalho estava concluído. Quis ligar para o filho, mas lembrou-se de que o menino deveria está na escola naquele momento.
Voltou à parte externa e encontrou o diretor que já havia descido do muro. Convidou-o a entrar, ofereceu-lhe água. O diretor agradeceu, tomou a água e num tom de quem deve cumprir sua função institucional de autoridade e conselheiro, falou: – professor, o senhor tem que diminuir o consumo de cerveja. Ah! Isto é seu, entregando uma xícara grande com a foto do professor, remendando em seguida: feliz dia do professor!
Por Francinaldo Dias. Professor, cronista, contador de “causos” e poeta
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri