O dízimo, o rebanho, o exorcismo eletrônico, a teocracia, a troca do voto pela bíblia, a troca da bancada pelo estelionato religioso, tudo isso sempre foi por dinheiro e poder, nunca foi pela fé. A bem da verdade é que nem todos terrivelmente evangélicos são terrivelmente corruptos. A bem da verdade, também, é que são terrivelmente muitos e de montão, aqueles que são corruptos em nome de Deus. A prisão do pastor Milton Ribeiro, ex-ministro da educação, terrivelmente defendido por Bolsonaro, levanta a tampa do bueiro e expõe publicamente a natureza desse tipo de fé. Desta vez, a exposição pública não se dá pela denúncia já feita da existência de um gabinete paralelo, mas sim pela transformação das evidências em caso de Polícia Federal. Sendo assim, já é possível testemunhar as primeiras declarações de descarte de Bolsonaro, como ele sempre faz com todos que ele usa para servir aos seus interesses próprios.
Os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura também foram presos pela Polícia Federal na mesma operação, batizada de “Acesso Pago”. O pastor Milton Ribeiro já foi queridinho de Michele Bolsonaro e Jair Bolsonaro, considerado amigo íntimo da família. Michele diz que Deus mostrará que o ex-ministro da educação é inocente. Ela deve estar agora orando em línguas, para que esse milagre seja “operado”. Bolsonaro já disse: “O Milton, coisa rara eu falar aqui, eu boto a minha cara no fogo pelo Milton. Minha cara toda no fogo pelo Milton”. Já a fala recente de Bolsonaro sobre Milton – como chamou intimamente o presidente – é de descarte, sem nem citar o nome de Milton Ribeiro, seu amigo(?) e ex-ministro: “Se tem prisão, é PF, é sinal que a PF está agindo. Que ele responda pelos atos dele. Peço a Deus que não tenha problema nenhum, mas se tem problema, a PF está agindo, está investigando. É sinal que eu não interfiro na PF, porque isso vai respingar em mim, obviamente”, disse em entrevista à rádio Itatiaia, de Minas Gerais. Os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, também botam o nome de Deus em tudo, tal qual os amigos Milton Ribeiro, Michele Bolsonaro e Jair Bolsonaro. Ao que se sabe, até agora, Deus ainda não soltou nenhuma nota sobre o episódio.
Milton Ribeiro faz parte de uma linhagem de fascistóides que instrumentalizaram o plano bolsonarista de acabar com o sistema educacional brasileiro público. A corrupção, a bandalheira, e o gabinete paralelo, formam a tecitura do requinte de crueldade. As inúmeras declarações inadmissíveis do pastor Milton Ribeiro se juntam a um bloco de outras declarações emporcalhadas de outros vagabundos que ocuparam a pasta da educação, que também mereceram ir para a cadeia por justa causa. A evangelização bandida é apenas um arabesco que ilustra o desmonte criminoso da educação. Um dos maiores excrementos do nazifascismo brasileiro, Abraham Wentraub, que também foi ministro da educação, disse sobre o episódio: “Ele pode ser inocente? Até pode. Mas tem aquele ditado: ‘Rabo de porco, orelha de porco, rabo de porco e focinho de porco… Se ele não é porco, é feijoada’. Pode apostar, tem muita coisa errada”. Ele faz outras acusações, dizendo que: “Me tiraram de lá porque eu estava atrapalhando a festa, pois era o peso da máquina para liberar as consultorias…. Tem um monte de ONGs com aquelas madames com unhas pintadas no shopping, todas dondocas. A ONG dela é de pilantra, responsável pelo fracasso do ensino do Brasil há 20 anos. Estamos falando de R$ 20 bilhões, R$ 30 bilhões ou 40 bilhões”.
Vale a pena lembrar que o ministro do Supremo Tribunal Federal, André Mendonça, indicado por Bolsonaro como sendo o “seu” ministro terrivelmente evangélico, está metido nisto até o pescoço, pois Milton Ribeiro foi ungido por ele, quando o pastor Milton Ribeiro fez as primeiras orações de “proteção” ao casal Bolsonaro, ele estava lá com a bíblia sendo ostentada. O pastor Milton Ribeiro é uma “autoridade” junto aos céus. Fez toda espécie de curso de teologia em toda espécie de universidade presbiteriana, foi membro disso e daquilo outro, foi presidente de instituições diversas, que se autointitulam representantes de Deus na terra. Ao que parece, seu próximo diploma seria assinado por Bolsonaro, o mentor da escola da corrupção, assim confessado pelo próprio Milton Ribeiro, em um áudio famoso, que já entrou para a história da escória brasileira: “Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar”, disse, o ministro homofóbico, elitista e negacionista. Ele complementa que o pedido de apoio não é segredo e que visa a construção de igrejas. Mas Milton Ribeiro não teve a sustentabilidade afetiva necessária junto ao presidente que não trabalha, pecou pelo excesso de crença na impunidade, arrotou a arrogância típica dos que se gabam de ter uma procuração discipular assinada por Deus, e já foi descartado por Bolsonaro, que é bem mais poderoso e se gaba de ter duas procurações mitológicas, a de Deus e do diabo, com firma reconhecida nas urnas eletrônicas brasileiras.
Gilmar Santos é outra autoridade suprema. Ele é pastor presidente do Ministério Cristo para Todos, em Goiânia. Ele também é presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil e diretor do ITCT Teologia, uma “instituição teológica com tradição na formação de líderes para servirem ao reino de Deus”. Ele encantou Michele Bolsonaro com suas pregações efusivas e suas astúcias celestiais. Passou a ter livre trânsito no governo do maridão da Michele, sem ocupar nenhum cargo oficial, sempre posando nas fotos ao lado de Bolsonaro, com a empáfia de um apóstolo inventado nos porões da religiosidade financista. Mas os seus verdadeiros milagres se resumem às tramoias do seu gabinete paralelo, junto com seu comparsa de fé, Arilton Moura, operando empenhos da educação e verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Através das investigações e depoimentos de prefeitos, foram mapeados indícios de crimes na liberação de verbas do FNDE com base em documentos, depoimentos e um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU). Falta chegar agora aos porões do Centrão, que é o outro gabinete paralelo que atua no MEC, com indicações diretas de Arthur Lira e Ciro Nogueira. A bíblia de Bolsonaro está sendo desbaratada, sem a pompa da santidade, sem o exorcismo da prisão.
Por Marcos Leonel – Escritor e cidadão do mundo
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