O bloqueio de R$ 3,2 bilhões – ou 14,5% do orçamento – do Ministério da Educação (MEC), anunciado pelo Governo Federal, na semana passada, é motivo de preocupação e mobilização nas instituições federais de ensino superior no Ceará. A medida da União irá contingenciar ao menos 55,3 milhões das universidades (Federal do Ceará, Federal do Cariri e Unilab) e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFCE).
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O valor foi repassado pelas próprias instituições. Somente o cálculo referente à UFC é que foi estimado pelo Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará (ADUFC), pois, embora questionada, a própria UFC não informou diretamente de quanto será o bloqueio. Forneceu apenas um link no qual é possível consultar o orçamento da instituição.
A UFC também foi a única das universidades afetadas pelo bloqueio e consultadas pela reportagem no Ceará a informar que não irá comentar o assunto.
Assim como inúmeras outras instituições federais no país, as unidades no Ceará, com o bloqueio, terão serviços fundamentais ao funcionamento afetados. São eles: pagamento de bolsas e auxílios a estudantes, subsídio à alimentação, custeio de atividades de limpeza, segurança, fornecimento de água, energia, telefone e internet, entre outros.
O anúncio do bloqueio foi feito pelo MEC às instituições na sexta-feira (27). O Governo Federal alega que o contingenciamento é necessário para cumprir o teto de gastos. A regra, aprovada no Congresso Nacional, em vigor desde 2017, impede que parte das despesas públicas cresçam em ritmo mais acelerado que a inflação oficial.
Esse contingenciamento é dos recursos discricionários – aqueles cuja distribuição é decidida pela própria instituição, que englobam o pagamento, por exemplo, de contas de água e luz, serviços terceirizados, e programas mantidos pelas universidades, como assistência estudantil e bolsas de pesquisa acadêmicas.
Essas despesas são diferentes dos gastos obrigatórios previstos em lei, que abrange o pagamento de salário dos servidores e das aposentadorias.
Estimativa de valores bloqueados nas instituições do Ceará
• R$ 4,1 milhões na Universidade Federal do Cariri (UFCA):
• R$ 5,2 milhões na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab)
• R$ 16 milhões no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFCE)
• R$ 30 milhões no Universidade Federal do Ceará (UFC) – conforme cálculo da ADUFC
Graves consequências
Assim como as demais instituições federais de ensino superior no Ceará, a UFC foi procurada pela reportagem. Mas a Universidade informou apenas um link no qual é possível consultar as informações orçamentárias da instituição e disse que não iria se pronunciar sobre o efeito do bloqueio do orçamento no cotidiano da instituição.
A ADUFC estima que com 14% do orçamento discricionário afetado, a UFC terá cerca de 30 milhões bloqueados.
O presidente da ADUFC, professor Bruno Rocha, enfatiza que a UFC já está no seu limite e “é inaceitável pensar em novos cortes no atual contexto que vivemos. Isso aprofundaria o sucateamento na instituição”. O sindicato também alerta para as graves consequências que os cortes podem causar às três universidades federais do estado – UFC, UFCA e UNILAB.
“O governo sempre recorre a esse discurso de teto de gastos para camuflar a realidade, que é a sua total falta de compromisso com a educação”.
Bruno Rocha, presidente da ADUFC
Impacto da Federal do Cariri
A UFCA informa que o MEC, “apesar de não detalhar isso no seu comunicado recente, também determina onde haverá o possível corte orçamentário, uma vez que as chamadas ações orçamentárias já recebem determinado volume de recursos para sua realização, em determinada instituição”.
A Universidade explica que com o orçamento discricionário executa ações como serviços essenciais, de pagamento de energia, limpeza e também custeio de bolsas e auxílios a estudantes de graduação e de pós-graduação.
Com o bloqueio de R$ 4,1 milhões, “a assistência estudantil e as bolsas estão garantidas pela gestão da Universidade, principalmente porque um dos valores da UFCA é priorizar o/a estudante”. Ainda haverá uma análise na instituição sobre quais ações sofrerão com o bloqueio, “mas possivelmente haverá impactos nos contratos”, diz a nota.
A situação só não é mais complicada pois, segundo a UFCA, em 2022, a Universidade conquistou junto ao MEC, um orçamento extra, o que na prática permitiu a destinação desses recursos para a execução de obras.
“Isso liberou uma parte do orçamento de investimento (recursos para obras e outras ações que envolvam a aquisição ou construção de um bem de capital) que será transferida para o orçamento de custeio (todas as outras ações discricionárias) agora descoberto com os bloqueios anunciados pelo governo federal”.
UFCA, em nota
A Universidade explica ainda que, atualmente, 241 pessoas prestam serviço para a UFCA, mas “outras universidades federais já precisaram abrir mão de parte significativa dos seus terceirizados desde 2020, quando teve início a pandemia, por não terem como arcar com os contratos.
Perdem as famílias que têm nessas universidades sua fonte de sustento, perdem as universidade, que encontram dificuldade em se consolidarem e em levar seus benefícios para cada vez mais pessoas e, principalmente, perde o país, que segue enxergando Educação como ônus e não como solução para os grandes desafios nacionais.
Compras e serviços afetados na Unilab
Na Unilab, segundo nota da instituição, o bloqueio foi de R$ 5.267.483,00, e isso implicará na não execução do planejamento de investimentos para 2022, tais como obras previstas no campus dos Malês, adequações de espaços na sede, compras de livros, softwares e insumos para laboratórios.
Além disso, o contingenciamento afeta compromissos com empresas que prestam serviços básicos à comunidade acadêmica.
O bloqueio pode gerar “redução do quadro de terceirizados e diminuição da qualidade dos serviços prestados pela universidade”, diz a Universidade.
A Unilab acrescenta que bloqueios têm ocorrido nos últimos anos, mas há também reversões. E que se espera, diz a nota, pois, caso contrário, “a Universidade será, sem dúvida, fortemente impactada”.
IFCE busca readequar orçamento
Com cerca de 16 milhões de reais contingenciados, o IFCE reitera que o bloqueio impacta diretamente no custeio de serviços básicos como: limpeza, segurança, fornecimento de água, energia, telefone e internet, entre outros.
A instituição diz que o Governo Federal sinalizou que o bloqueio é temporário, porém, “não há uma previsão para o desbloqueio”.
O IFCE informa que logo após a sinalização sobre o bloqueio, “a área responsável pela gestão do orçamento do IFCE iniciou as análises para readequar o planejamento orçamentário da instituição”. A instituição também espera que o bloqueio do orçamento seja temporário, e caso perdure por muito tempo, outras estratégias devem ser adotadas.
Entidades tentam reverter
Organizações como a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) têm afirmado publicamente que o bloqueio precisa ser revisto urgentemente.
Em nota, a Andifes ressalta que desde 2016 há uma redução contínua nos valores para o custeio e investimento das universidade federais. O documento diz ainda que, a decisão ocrrer mesmo após todo o protagonismo que as universidades públicas demonstraram em favor da ciência e da sociedade no combate à Covid-19 e após o orçamento de 2022 já ter sido aprovado em valores aquém do que era necessário.
“O Governo Federal ainda impinge um corte de mais de 14,5% sobre nossos orçamentos, inviabilizando, na prática, a permanência dos estudantes socioeconomicamente vulneráveis, o próprio funcionamento das instituições federais de ensino e a possibilidade de fechar as contas neste ano”.
Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, em nota
O Conif, em nota, argumenta que a rede federal que vivencia os desafios da retomada presencial e os prejuízos advindos da pandemia, agora terá que “dividir seus esforços para lidar com esse bloqueio”. A entidade diz que o contingenciamento foi feito de forma “unilateral e intempestiva, sem diálogo com os gestores das instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica”.
A ação, acrescenta a nota, comprometerá as atividades dos 38 institutos federais, dos dois CEFETs do Colégio Pedro II, que já sofrem com orçamento insuficiente. A nota reitera o pedido para que o Governo Federal revise a postura de bloqueio orçamentário.
Por Thatiany Nascimento
Fonte: Diário do Nordeste